tag:blogger.com,1999:blog-293720052024-03-25T02:23:13.262-07:00A escuridão que abraça a velaHorlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.comBlogger158125tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-34041894891299982242012-02-02T10:24:00.000-08:002012-02-02T10:32:35.181-08:00Poema biografia 18:18<div style="text-align: right;"><span style="font-style: italic;">Para todo mundo</span><br /><span style="font-style: italic;">Vivo ou morto</span><br /><span style="font-style: italic;"></span></div><span style="font-style: italic;"><br /></span><div style="text-align: justify;">Hoje meu poema tem esse gosto de Jazz<br />Essa derrota azulada que se abateu sobre nossas cabeças<br />Em forma de uma chuva a muito desejada,<br />Ou como cavalos comendo lixo em certa rua movimentada por onde passei<br />Muitos anos atrás<br />E que ainda me povoa como me povoam pombos,<br />Como me povoam todos que vi<br />Como me povoam as legiões do império romano,<br />E demônios do império cristão,<br />E soldados do império ocidental,<br />Marchando dentro e fazendo tremer meu continente.<br /><br />Hoje meu poema tem um gosto de sangue velho,<br />Como aquele que fica na boca quando se acorda<br />E se mordeu a bochecha por dentro<br />E cospe-se uma saliva amarela e coagulada<br />E a cabeça sabe doer como se deve.<br /><br />Hoje meu poema me sabe um gosto antigo,<br />Como as vespas de cobre na janela de minha avó,<br />Como as florestas convulsivas de meu bairro natal,<br />Como as ruas vidradas da cidade onde moro e de onde fujo,<br />Como minhas próprias veias constrangidas,<br />Hoje meu poema me cheira como flores pisadas<br />E gritos de alerta de criança,<br />E um cachorro doente:<br />Terminal, o cão<br />Terminal, eu<br />Porque há um pouco de mim no cachorro que vai morrer,<br />Porque há um pouco de mim nas vespas da janela que já morreram.<br />Vespas e janela e avó,<br />Porque há um pouco de mim nos pássaros desafiadores que fecundaram a pilastra,<br />Porque há um pouco de mim em tudo e em tudo estou, também, de alguma forma morrendo.<br /><br />Porque há morte em tudo<br />E isso eu venho repetindo como antes repetia,<br />E eu venho tentando mostrar a todo custo isso<br />E venho tendo longas conversas comigo mesmo,<br />Longas e cerebrais conversas que encerram sem nunca findar<br />E eu me repito sobre a morte e sobre a força da morte e sobre a presença da morte,<br />E sobre o universo inteiro, que caminha para ela,<br />E sobre a vida no planeta que surgiu, mas não é guiada, nem guardada e que vai morrer,<br />E na entropia de todas as coisas, cada vez mais próxima dos equilíbrios<br />E penso no Santo Buda que pregava isso muito antes de eu poder entender<br />E penso em Jesus Cristo falando sobre amar a tudo<br />E penso em Lao Tse falando sobre o vazio, que também é uma forma de morte<br />E é a morte que me dá o sentido de tudo, muito antes do meu corpo ser um corpo,<br />Muito antes de meus átomos serem átomos,<br />E muito antes de vibrarem cordas e retesarem forcas,<br />E é o vazio em tudo e é a morte em tudo que preenche a tudo.<br /> <br />E eu venho pensando e pregando a mim mesmo esse longo e negro jazz que explode o universo,<br />E que vai fazer o próprio universo calar a boca um dia,<br />Quando de estrelas mortas fizer o coração,<br />Quando as cinzas forem o único alimento do monstro,<br />Quando não houver olho para ver e boca para duvidar,<br />Provaremos do sol muito antes de tudo,<br />E eu penso nos santos e nos mártires e nas lápides,<br />E eu penso em Rimbaud e nos seus delírios,<br />E eu penso na realidade que é bruta e frágil,<br />E eu penso na vida nova da criança que chora no berço ao lado e que é tudo e não é nada e tem em si todas as possibilidades da vida,<br />E eu penso na lentidão das horas de minha cidade natal,<br />Onde há uma convulsão de vozes e cheiros e gostos,<br />E onde eu posso ser réptil preguiçoso ao sol.<br /><br />E eu penso em todos os anos que passaram,<br />Minhas vinte e duas histórias de morte,<br />Minhas vinte e duas vitórias perdidas,<br />Minhas vinte e duas voltas ao redor de um sol que aprendi a odiar e a amaldiçoar,<br />E giro de volta ao Santo Hamlet e seus delírios e sua grandeza louca,<br />E em todos os delirantes perdidos lunáticos fanáticos paranóicos esquizóides,<br />E em tudo que eu sou e em tudo que me diz tudo,<br />E eu tento a comunhão do Santo Whitman,<br />E eu ergo os braços como o Santo Allen,<br />E eu me lanço à febre e ao desespero do meu próprio deserto,<br />E caio em toda oportunidade que tenho,<br />E peco e mancho e sujo e maculo e conspurco e profano a tudo onde coloco minhas mãos<br />E hoje escrevo esse poema como quem vive<br />Simplesmente porque cansei de não fazê-lo.<br /><br />O mundo para por uns instantes,<br />Não é a primeira vez e já não será a última,<br />Muito já foi dito e não há nada novo sob o sol como profetizou Salomão muitos anos antes de coisas não poderem renovar a si mesmas.<br />Hoje o poema tem gosto de tempo e tudo o que eu escrevo é triste como eu sou triste, mas não o tempo todo.<br />Não, não o tempo todo.<br />Nada para sempre, por favor.<br />Cansei de imortalidades e escrevo esse poema como quem escreve um poema sem pensar muito, mas pensando sempre, porque sempre se está a pensar a não ser quando se é um Buda Santo e aí tudo já foi pensado e eu não quero esse destino ainda.<br />Não, ainda não.<br />Nada para sempre, por favor.<br /><br />E eu tenho saudades também.<br />Estar na Bahia é ter saudades para mim,<br />E eu me volto para o mar sempre que não tenho o mar por perto,<br />E eu, verdadeiramente não gosto tanto de praia, mas o mar é lindo e sempre.<br />A única coisa para sempre, por favor, que seja o mar, que seja o mar, que seja o mar, que seja o mar, que seja o mar, por favor, a única coisa para sempre.<br /><br />E eu penso em gente morta e penso em gente viva,<br />E eu penso em ver e penso em não ver<br />E eu penso em ser e penso em não ser<br />Mas hoje, hoje e apenas hoje, escrevo como quem está cheio de vida e com sorrisos verdadeiramente genuínos,<br />Hoje, apenas hoje, e para todo o hoje, mas não para todo o sempre, por favor.<br /><br />E eu sento aqui, com o jazz, com o cavalo, com o lixo, com as vespas, com a janela, com a avó, com o mar e com as saudades e com a Bahia e com Buda e com Jesus Cristo e com Walt Whitman e com Allen Ginsberg e com Uirá dos Reis e com saudades e com vida.<br />E eu escrevo como quem escreve,<br />E eu posso porque estou longe e não estou desesperado,<br />E meu pescoço está livre e eu respiro bem e não tenho mais medo,<br />Pelo menos por hoje eu não tenho mais medo,<br />Porque eu morrerei um dia, é bem verdade,<br />Minha avó já morreu, é bem verdade,<br />Em tudo há morte, sabemos, já dissemos isso um ao outro tantas vezes,<br />E em tudo há tudo, e a vida é ainda maior, até que não seja maior, porque o tempo é ainda maior, e o universo está debaixo de leis e tudo vai morrer até que nada mais possa morrer e então nada:<br /><br />Nada que é o mesmo que paz,<br />Nada que é o mesmo que solidão,<br />Nada que é o mesmo que nada<br />E fim.<br /><br />Tito de Andréa<span style="font-style: italic;"></span><br /><span style="font-style: italic;"></span></div><span style="font-style: italic;">2012<br /></span>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-1339561515095218162012-01-18T07:49:00.000-08:002012-01-18T07:53:52.125-08:00Meu<div style="text-align: right;"><span style="font-style: italic;">às três pessoas que moram em minha esquina<br /><br /></span><div style="text-align: justify;"><div style="text-align: justify;"><span style="font-style: italic;"></span>Seria uma boa hora para colocar chumbo derretido por sobre o papel,<br />Gotas de mercúrio,<br />Pedaços de vidro de um termômetro quebrado<br />E sangrar a máquina de forma que o meu silêncio pudesse realmente dizer algo aqueles que procuram palavras nele.<br />De forma que meu silêncio possa simbolizar algo.<br /><br />Algo que não seja a covardia, minha covardia, de não dizer nada.<br />Pois, de onde eu venho, palavras dizem muito e, aos olhos, resta o espetáculo das coisas do mundo,<br />Os olhos prestam-se apenas para ver<br />E não para dizer o que não pode ser traduzido na terra.<br /><br />Já está dito que não decifro olhares,<br />É do conhecimento de todos que não sou dado a alquimias espirituais,<br />Que não estou apto a reconhecer ouro no outro, a não ser que me seja mostrado,<br />E que meu silêncio só pode ser se não: silêncio<br />E o espaço descolorido entre uma palavra e outra apenas permite a si mesmo não ser.<br /><br />Essa hora de madrugada assombrada bem que poderia se mostrar mais fértil,<br />Com a coloração certa nos lábios e seios perfumados,<br />Poderia surgir para me dar algo, uma dádiva,<br />Alguma forma de milagre,<br /><br />Mas o som dos carros e das motocicletas é real no meu poema e não há nada que eu possa fazer.<br />Essa impotência será uma forma de salvação.<br />Essa inatividade me levará, cedo ou tarde, ao caminho perfeito, ou a lugar nenhum.<br />Saberemos mais tarde,<br /><br />Mas agora é importante saber acariciar a madrugada com os dedos para lhe dar um rubor mais apetitoso,<br />Saber bolinar, com a ponta do indicador e do médio, o fruto da madrugada,<br />Para perceber as mudanças em sua respiração,<br />Para sentir seu calor umedecer,<br />Para ver suas pernas abrindo<br />E penetrar fundo nela, para seu reino de traição.<br /><br />O que se pode fazer<br />É, pois, levantar-se com decisão nos gestos,<br />Arrebatar a garrafa da prateleira de cima,<br />Com uma firmeza nunca dantes demonstrada abrir a tampa e<br />Derramar em um copo agilmente conjurado de outra estante<br />Uma corajosa quantidade de líquido,<br />Para poder fazer uma nova conexão<br />E beber escondido de todos os outros a bebida quente e forte que ainda me arranca caretas.<br />Beber escondido e chorar escondido...<br /><br />Ah, Hamlet, quantas lágrimas por nós?<br />Nós, os palhaços trágicos,<br />Nós, os traídos,<br />Nós, os loucos com sentimento de grandeza,<br />Quanto, Hamlet, quanto do choro do mundo por nós?<br /><br />Mais um gole, mais uma careta,<br />Hoje não é preciso disfarçar,<br />As coisas são amargas e me torcem o nariz,<br />Tenho diversos tiques nervosos,<br />Algumas neuroses bem cultivadas,<br />Muitos medos envelhecidos há anos, guardados em cofres,<br />Nenhum amigo, mas diversos conhecidos<br />E esse poema é uma forma de dizer sim.<br /><br />Sim, eu ainda penso em todos vocês,<br />Sim, eu estou pisando em ovos,<br />Sim, eu estou desanimado e fraco,<br />Sim, tão desanimado quanto é possível,<br />Esse desânimo é a minha paga e eu ainda sou o mesmo e eu ainda estou sentindo.<br /><br />Meus bolsos não estão cheios, mas os sinto pesar,<br />Outubro veio levando embora meu idílio.<br />Eu já não sei em que estação vivemos agora,<br />Mas eu penso em nomear a tudo com as cores do outono que nunca vi,<br />Mas que imagino.<br /><br />Sim, eu ainda sinto aquela inveja contra todo mendigo e indigente do mundo,<br />Eles e suas camas suadas,<br />Eles e seus pés imundos,<br />Eles e suas mãos estendidas,<br />Com o nível mais básico de todas as necessidades do mundo lhes sendo negado,<br />Colecionando latas,<br />Confeccionando vícios,<br /><br />Eles que perderam tudo e que tiveram muito,<br />Eles que não tem mais nada,<br />E já não podem perder o que posso,<br />Porque a força da gravidade se impôs ao máximo e,<br />Como costumava dizer certo personagem de minha infância,<br />Do chão não é o costume deixar alguém passar.<br /><br />E sim, eu sou desesperadamente egoísta,<br />Sim, meu auto construído ego é maior que eu,<br />E hoje, meu maior medo é não poder mais diferenciar.<br /><br />Ah, Hamlet, por nós, os irremediáveis, nenhuma mão virá.<br />Mais cedo ou mais tarde todas as costas mostrarão suas faces,<br />Cedo ou tarde nenhum amigo ficará,<br />E nossa vida-Dinamarca se desfaz em veneno.<br />Ah, Hamlet, por nós, os insensatos, nenhum conselho chegará a tempo.<br /><br />Mas é preciso afiar os olhos e seguir.<br /><br />Eu não sei se há algo para acreditar.<br />Pensar em morte não é novidade para os mortos e é a vida que se faz grande mistério,<br />Esfinge decifrada e traiçoeira devorando a tudo...<br />Ah, Édipo, dessa não escaparemos.<br /><br />Nesse exato momento todo o mundo dos apartamentos aos lados existe e acontece de forma real e concreta, dispensando toda metafísica e seria de terrível mal gosto creditar a si mesmo ser único,<br />Oh, vaidade chamada homem...<br />Salomão, não somos diferentes, eu e tu...<br /><br />Seria essa a hora de povoar o papel com palavras feitas de chumbo,<br />Não temos mais tempo,<br />Eu não quero mais saber,<br /><br />Isso de sempre se colocar diante dos outros é extremamente cansativo,<br />O meu inferno sou eu,<br />Mas ao lado alguém sorri,<br />À frente uma mulher de cabelos presos e escuros procura algo na bolsa até que encontra seu telefone e, ao mesmo tempo, posso ouvir dois adolescentes conversando atrás de mim<br />E estou bastante seguro de estar me afogando com os pulmões cheios de ar, em pleno engarrafamento às seis e vinte e sete da noite, em um ônibus cheio de outros infernos.<br /><br />Porque o meu inferno sou eu e, para mim, não há um santo que me olhe com carinho.<br /><br />Eu não estou doente.<br />A cabeça pesa, é certo,<br />As mãos doem, é bem verdade,<br />Os joelhos não são bons, assumo,<br />Fora isso, antes disso, no mundo urge uma necessidade de estar vivo e é isso que me falta.<br /><br />Essa minha madrugada mantém seu ar morno para mim,<br />Ela me deseja,<br />Sopra quente nas minhas orelhas,<br />Serpenteia a língua na minha nuca,<br />Desce pelas minhas costas com as mãos<br />E sobe sulfurosa lambendo minhas virilhas,<br />E morde minhas coxas,<br />E acaricia meus testículos,<br />Ela sabe como ser agradável, a madrugada,<br />Ela sabe como ser boa,<br />Afasta minhas pernas e abocanha meu pau e me faz gritar,<br />E me masturba enquanto sussurra aos meus ouvidos e se insinua toda, essa madrugada,<br />Apenas para interromper o coito e se afastar sorrateira e sorridente<br />Me abandonando a mim,<br />Me deixando sozinho com o meu copo e com o meu corpo e com seu calor.<br /><br />Viro o resto do copo e não faço caretas,<br />Estou sabido.<br /><br />Para um pouco,<br />Vai à janela olhar a rua...<br /><br />Ah, Hamlet, se o fantasma de meu pai aparecesse,<br />Se houvesse um plano para mim,<br />Uma série de sortilégios e um coveiro verdadeiramente trágico,<br />Ah, Hamlet, como poderíamos ser iguais...<br /><br />Mas aqui nada me anima mais do que a desistência,<br />E eu não tenho a quem recorrer,<br />Estou velho no inicio da vida,<br />Ou pelo menos me fizeram acreditar nisso,<br />Estou velho e fraco e feio,<br />Salomão, somos um e outro?<br /><br />Porque agora eu me sinto roubado,<br />Me sinto traído e pouco querido,<br />Me sinto mal.<br />Sou a reencarnação do dono dos porcos<br />Que vivia próximo a um cemitério onde estava acorrentado o louco, o possesso do vilarejo,<br />Lembro-me como se realmente tivesse vivido aquilo,<br />O assassinato vil dos meus quase dois mil porcos, ordenado pela boca do próprio senhor filho do deus em pessoa e espírito santo.<br />E os meus porcos endemoninhados, tão inocentes, condenados ao suicídio no abismo do inferno.<br /><br />É assim que estou traído.<br />Eu que nunca fiz o mal,<br />Eu que era um inocente suinocultor,<br />Atingido pelo próprio santíssimo na base de usa profissão,<br />Roubado dele o nome de seu trabalho.<br /><br />Estou com essa marca na alma,<br />Esse ressacado tumor na minha corcunda,<br />Estou aleijado,<br />Uma marca como essas não se apaga,<br />Mas perdura vida após vida,<br />Mantendo-se em mim e em tudo que eu chamar eu no futuro das minhas próximas encarnações.<br />E este poema é a minha forma de dizer sim.<br /><br />Sim, eu perdi, mas há tanto para perder que nunca vou parar.<br />Sim eu sinto essa inveja e essa raiva,<br />E esse odor da madrugada e do copo, há tanto esvaziado...<br />Ah, Hamlet... O nosso destino...<br /><br />Quem verterá lágrimas por nós, meu querido?<br />Quem?<br /><br />Tito de Andréa<br />2011<br /></div><br /><br /><span style="font-style: italic;"></span></div></div>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-47536740668295090252011-06-21T03:56:00.000-07:002011-06-21T03:57:45.032-07:00Prece<p><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:trackmoves/> <w:trackformatting/> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:donotpromoteqf/> <w:lidthemeother>PT-BR</w:LidThemeOther> <w:lidthemeasian>X-NONE</w:LidThemeAsian> <w:lidthemecomplexscript>X-NONE</w:LidThemeComplexScript> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> 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{mso-style-name:"Tabela normal"; mso-tstyle-rowband-size:0; mso-tstyle-colband-size:0; mso-style-noshow:yes; mso-style-priority:99; mso-style-qformat:yes; mso-style-parent:""; mso-padding-alt:0cm 5.4pt 0cm 5.4pt; mso-para-margin-top:0cm; mso-para-margin-right:0cm; mso-para-margin-bottom:10.0pt; mso-para-margin-left:0cm; line-height:115%; mso-pagination:widow-orphan; font-size:11.0pt; font-family:"Calibri","sans-serif"; mso-ascii-font-family:Calibri; mso-ascii-theme-font:minor-latin; mso-fareast-font-family:"Times New Roman"; mso-fareast-theme-font:minor-fareast; mso-hansi-font-family:Calibri; mso-hansi-theme-font:minor-latin; mso-bidi-font-family:"Times New Roman"; mso-bidi-theme-font:minor-bidi;} </style> <![endif]--> </p>Me ensine, Senhor, a arte de esconder lágrima e vício<br />Dá-me, senhor, o dom de soprar fumaça para dentro,<br />De manchar só a minha roupa e deixar, livre de pecados, de quedas, de nódoas e ranços a roupa do próximo e a aparência exterior,<br />Deixa-me, Senhor, aprender o oficioso e cansativo artesanato dos falsos.<br /> <br />Me ensina, Senhor, a ter a impavidez do monte que, mesmo com fé, se permite não lançar-se ao mar, mesmo quando o mar já tiver invadido todo o meu interior,<br />Mesmo quando tudo em mim for mar,<br />Quando eu mesmo for vale de sombra e morte,<br />Quando minha face interior for choro e ranger de dente,<br />Quando eu me arder num inferno particular, permita Senhor o inferno particular, permita o mar, permita a perdição e me ensine a sorrir.<br /><br />Não me proteja, Senhor, pois o que eu mais desejo é essa lama carnosa e humana de onde tiraste o bisavô desavisado.<br />Essa terra fértil e lodosa onde o jardim foi plantado e que deu de comer à árvore da morte.<br />Não me proteja, Senhor, de mim ou de ti, mas, antes disso, lança sobre mim teus rancores.<br />Deixo-me ser Jó,<br />Entrego-me ovelha risonha, escarnecedora, com lã enlinhavada e suja de folhas e espinhos,<br />Permita tudo o que estiver escrito, Senhor, permito.<br /><br />Mas me ensine, a ter o poder de, em mim, dançar uma festa quando dentro ardem velas de enterro.<br />A alegria de estar morrendo diariamente, o controle da terra cheia de magma por dentro, toda líquida e molecente por dentro, toda ela um rio quente e fluído por dentro, mas jamais por fora, dá-me senhor, o controle que tem a terra.<br />Dá-me as pernas e as mãos de um homem que já cansou.<br />Dá-me os ombros e os sovacos de um dos milhares de mendicantes do mundo.<br />Dá-me as virilhas das putas,<br />Os pés dos santos da rua,<br />Os cabelos dos dementes,<br />Dá-me, Senhor, o que tiver de pior.<br /><br />Os fogos do meu rosto,<br />O suor da minha face para deixar a terra fértil,<br />E me dá de comer esse pomo de sal que brota da árvore que plantei.<br />Eu aceito, permito e desejo o pior.<br /><br />Eu sinto o cheiro.<br />Dá-me, por fim, a frieza do mar, que é uno mesmo quando chove e cresce.<br />Que é uno mesmo quando afoga e penetra, sem convites, casamentos e velórios.<br />Que é uno quando afoga aqui e, ali, é leito.<br />Que é uno quando dividido em tantos, que tem nele a tua natureza de Deus de ser muitos e ser um.<br />Dá-me a divindade do mar, que é diferente de ti, pois sabe de mortes que desconheces.<br />Dá-me a divindade do mar que é diferente de ti, pois é vivo.<br />Dá-me a divindade do mar, que sofre e se dói e destrói a tudo que está no caminho, mas sempre calmo, mesmo quando destrutivo, mesmo quando não calmo.<br />Dá-me a divindade do mar e me abandona,<br />Em nome de todos os nomes,<br /><br />Tito de Andréa<br /><br /><p></p>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-18386197867997846602011-05-28T09:09:00.001-07:002011-05-28T09:09:42.834-07:00Sem lágrimas, mas com muitas palavras<p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt; line-height:115%;font-family:"Times New Roman","serif"">Eu não acredito em nada disso, veja, ouça, deixe-me dizer, deixe-me recompor o discurso, desdizer, torná-lo outro, infectá-lo comigo, mostrar a farsa. Eu repito: não acredito em nada disso, nada daquilo, eu não acredito em nada. Ouça aí, sente aí,<span style="mso-spacerun:yes"> </span>sinta, carinha de anjo, vá só ouvindo, mesmo, mas não se preocupe, vá sentindo, não detenha sua cara de nojo, não impeça a face de mostrar, não segure o estômago, isso eu posso aguentar. Eu não preciso do seu respeito, do seu mesquinho reconhecimento, dessa coisica quase que nada que você leva aí junto ao peito, no lado onde se guardam, nas roupas mais finas, o bolso, onde você leva o que quer que se leve para dividir com aqueles que você ama, àquelas a quem você dá esse amorzinho mesquinho, por isso eu não me interesso, o que eu quero são as suas orelhinhas, meu querido, eu estou de Marco Antônio aqui, Marco Antônio shakespeariano discursando sobre o cadáver do meu próprio Júlio César tendo sido assassinado pelo meu próprio Brutus-eu. Tá ouvindo, meu bem, sou os três personagens principais dessa tragédia onde você é só o público, a crowd de romaninhos famintos e chorantes, percebe, pescou aí, pois pesque, arme sua vara com a menos atraente das iscas, a menos colorida delas e deixe deslizar verticalmente para dentro do rio, esse rio de sangue, de baba, de merda, tudo misturado, pegue aí, desse rio-meu, desse rio que eu estou te dizendo and lend me your ears, my dear. Me deixe falar, essa é a minha vez, é chegada a hora, a minha hora de dizer que tudo o que foi dito antes era uma mentirinha mal contada, daquelas que a gente ouvia quando era criança, ou quando amava alguém e só precisava ouvir o que precisava ouvir e tinha sempre um outro pronto pra mentir pelo bem do tudo estará bem amanhã. Cada sorriso meu, cada palavra, cada traço uma farsa, uma comédia essa tragédia, mas não divina, com perdão do trocadilho dantesco, divina não que eu não mecho com isso aí, que disso aí eu quero distância, meu negócio aqui te é dizer que foi tudo uma farsa, mas sem usar a palavra máscara, não vou usar tuas palavrinhas bobas, nunca usei máscaras, quando criança tentei, mas cheiravam a plástico barato e sempre me desagradou a respiração quente que voltava pro meu rosto da máscara. Guarde as lágrimas, meu bem, engula o choro, engula o choro e me diga, depois, ainda não é sua vez de falar, me diga o gosto que ele tem, para que eu possa ouvir e já não esquecer, não engolirei mais choros, nem represarei lágrimas, mas engula aí o seu choro que vai chegar a hora dele, não falta muito, vai chegar a hora de se afogar em lágrimas, ainda não, calme que agora é a hora da minha palavra, do fim dos sorrisos, eu não espero precisar sorrir jamais, não espero precisar sorrir quando terminar: não vai terminar nunca: eu vou seguir falando, vou ao inferno falando, sem sorrir, sim, cada sorriso foi uma traição, uma traição a mim, eu traí a mim com os sorrisos, com as conversinhas, calma, cale a boca, eu me traí com aquelas provas, cada vez eu que eu fiz uma correção, cada vez que eu reescrevi uma palavra, cada vez que eu me desculpei, retiro tudo, retiro tudo, apague tudo. Apague tudo, das suas fotos, das suas lembranças, das atas, dos autos, das bulas, apague as estrelinhas do seu céu, o sol sorridente da infância desenhado sem talento algum sobre a casinha com telhado porcamente pintado de vermelho e com um papai e uma mamãe e um cachorrinho sorrindo, todo mundo sorrindo, isso, apague, pode chorar agora, viu, não demorou, pode chorar e use suas lágrimas para borrar tudo, para distorcer tudo. Eu quero inaugurar aqui, o navio do teu esquecimento do meu sorriso, do meu gosto amargo cada vez que cumprimentei alguém com fingida simpatia, do meu próprio esquecimento, do apagamento, do esvaziamento, da morte infinita, do espaço vazio eterno que há entre um papel e outro, escolha aí o mais fino dos líquidos inflamáveis para atear fogo à minha pilha de palavras antigas, aos meus livros lidos com aquele tédio de quem está indo para um cadafalso moroso. Lance fogo a tudo enquanto ergo minha taça vazia de tudo, mas cheia de descrença para brindar suas lágrimas, para brindar seus músculos tesos, seus tendões odiando, seu coração bombeando mais sangue,<span style="mso-spacerun:yes"> </span>para brindar à derrota que eu te nego, te nego o poder de sair derrotado, vença, meu bem, ganha, sobreponha-se, subjugue-me, isso meu bem, vença, vença, me esmurre, eu não vou parar, use o nó dos joelhos assim, eu não vou parar, eu vou sangrar, sim, mas não vou parar, não vou parar, não vou sorrir, isso, os cotovelos, o fio dos dentes, isso, aplique sua ira, eu não vou parar, use a lâmina das unhas na minha carne, no pescoço, atinja com precisão médica a veia que alimenta a cabeça, eu não vou parar, pise, pise com essa força, chute, cuspa, sinta, eu não estou sorrindo, eu não estou parando, eu nunca pararei, eu não preciso vencer, eu posso, de boa vontade, ser vencido, eu não vou parar, eu não vou parar, eu vou falar para todo<o:p></o:p></span></p> <p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt; line-height:115%;font-family:"Times New Roman","serif"">Tito de Andréa</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align:justify"><span style="font-size:12.0pt; line-height:115%;font-family:"Times New Roman","serif""></span><span class="Apple-style-span" style="font-family: 'Times New Roman', serif; line-height: 18px; ">2011</span></p>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-83289895751962991992011-05-24T03:26:00.000-07:002011-05-24T03:33:53.886-07:00Poema-biografia-afásico ou Blues da total incompetência ou Da tragédia de todo poema ou Poema-biografia-Rir-de-si<div>É preciso, o poeta pensa, é preciso escrever uma faca,</div><div>Mas não uma faca comum, uma faca cega de tanto cortar,</div><div>Uma faca com um olho, uma faca morna.</div><div>É preciso, ele pensa, ele pensa uma mão cheia de precisões,</div><div>Ele pensa os olhos cheios de ouro,</div><div>Ele pensa um veneno escorroso e corrosivo nos suores,</div><div>Ele pensa secreção, escorpiana cauda,</div><div>E morre-se.</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></div><div style="text-align: justify;">Ele começa.</div><div style="text-align: justify;">Impera a necessidade,</div><div style="text-align: justify;">É preciso, ele repete, sempre.</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span> </span>– É preciso é preciso é preciso é preciso é preciso é preciso.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O poeta está nu,</div><div style="text-align: justify;">Violentamente despido,</div><div style="text-align: justify;">Imundo de suores e odores,</div><div style="text-align: justify;">O poeta está e não escreve.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É preciso cantar, de alguma forma,</div><div style="text-align: justify;">De algum modo, sem - que se diga agora, como me indicou um poeta amigo de certo professor Doutor - utilizar-se de adjuntos adverbias, sobretudo aqueles que tem como função demonstrar modo, repito, é preciso cantar de algum modo essa incompetência carnosa que ele propaga.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Algo ele propaga. Mas não comecemos o coro de risos.</div><div style="text-align: justify;">Ainda não.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Há de chegar a hora de chamar os conhecidos, os amigos e as animosidades para dar seu depoimento.</div><div style="text-align: justify;">Sim, pois há sempre a hora do juízo onde meia dúzia de amigos persistentes receberão voz contra todos os outros.</div><div style="text-align: justify;">Todos os outros que ficaram cansados,</div><div style="text-align: justify;">Todos os outros que não tiveram mais o que dizer,</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></span>Pois é bastante comum na humanidade esgotar a possibilidades de frases novas a <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>dizer para <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>outra pessoa e o silêncio, ao contrário do que prega a voz vigente, não <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>diz muita coisa, é <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>preciso que se diga.</div><div style="text-align: justify;">Todos os outros que não gostam, que odeiam ou que implicam.</div><div style="text-align: justify;">Hão de ser muitos.</div><div style="text-align: justify;">Mas não ainda:</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Ainda não.</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></span>Ainda não.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Antes de tudo é importante contemplar certos aspectos de sua nudez muda.</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></span>Adjetivos ainda são permitidos, ele pensa e sorri.</div><div style="text-align: justify;">Ele pensa e sorri.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></span>Mas poderia dizer que o lar é onde se guardam corações, ou quando, como <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>disseram depois. <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>E poderia maldizer o sol, como é de seu feitio, ou, num <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>momento mais infantil de velado <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>retorno à mediocridade da adolescencia, essa <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>esfinge derrotada, Édipo vencendo seu <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>complexo e fazendo a mãe de Freud tão <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>infeliz... Ele poderia falar da morte.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas ele está nu. Ele não tem nada a dizer e nem é meia noite nem é meio dia.</div><div style="text-align: justify;">A hora do lobo passou e, quem sabe certa quantidade de álcool ou a escolha musical adequada possam ajudar um pouco... Talvez a mulher nua possa ajudar um pouco, talvez a intensidade correta... Aplicada à vontade correta, talvez a vida possa ajudar um pouco...</div><div style="text-align: justify;">Mas não.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">O poeta está nu.</div><div style="text-align: justify;">Para um pouco para pensar em destruir a si de formas trágicas,</div><div style="text-align: justify;">Desvela-se para os mais próximos,</div><div style="text-align: justify;">Chama-os para presenciar sua desgraça exterior - a nudez - e guarda, mascaradamente, o que persiste dentro para outra hora, outra hora quem sabe mais feliz, outra hora quem sabe menos morta, tanta mentira... </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Ele guarda para outra hora. Uma hora onde ele possa sentir as trombetas dos anjos e os aguilhões dos demônios.</div><div style="text-align: justify;">Uma hora com Stravinsky e a primavera,</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></span>Uma hora com Mozart, </div><div style="text-align: justify;">Com Beethoven, </div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></span>Com Bartók, </div><div style="text-align: justify;">Com Chopin.</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> <span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span></span>Com o diabo que o valha para salvaguardar um lugarzinho no inferno para uma rápida estadia que valessa a Rimbaud uma coisa qualquer.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Uma última pérola que pudesse trazer de lá, do inferno, da profundidade mais esquecida, no canto menos cantado, com tudo o que está ao redor, </div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Com todos os Deuses mortos, enterrados - em vala comum ou não – </div><div style="text-align: justify;">Com todos os homens mortos - suicidados ou não – </div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Com todos os diabos - sorridentes ou não – </div><div style="text-align: justify;">Com tudo que puder, ele espera e faz suas libações e tenta.</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Com fôlego – ou não –.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>Oremos, pois não é possível.</div><div style="text-align: justify;"><span class="Apple-tab-span" style="white-space:pre"> </span>E já não será possível depois.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas é imperativa a tentativa frustrada,</div><div style="text-align: justify;">É imprescindível que se debata,</div><div style="text-align: justify;">E que se esmurre,</div><div style="text-align: justify;">E tente mergulhar,</div><div style="text-align: justify;">E vá mais fundo do que possa,</div><div style="text-align: justify;">E que tenha uma embolia na alma,</div><div style="text-align: justify;">E que suba velozmente, com os pulmões clamando por ar,</div><div style="text-align: justify;">E que jamais o encontre novamente.</div><div style="text-align: justify;">E que não possa mais, pois já não é possível, pois está nu e morto.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">É importante - ele pensou pela manhã quando tudo era novo e dia não fedia a guardado - estar meio morto sempre, para poder melhor saber-se.</div><div style="text-align: justify;">É preciso estar meio morto sempre para melhor sentir.</div><div style="text-align: justify;">E rasgou-se todo em papel velho de versos amarelos e terríveis.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Oremos, pois já não é possível,</div><div style="text-align: justify;">Mas é preciso que ele saiba como vociferar sua incapacidade</div><div style="text-align: justify;">Que escrita é incapacidade e não é possível dizer nada.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas ele guarda, ele guarda a incompetência para si.</div><div style="text-align: justify;">Ele a tem e a ama e a cuida.</div><div style="text-align: justify;">É preciso cuidar das coisas que se tem, ainda mais quando não se tem muito, ainda mais quando não se tem nada e ele espera o inferno que virá, com um Van Gogh de braços abertos e sem orelhas para ele ser,</div><div style="text-align: justify;">Ele espera o inferno inteiro para poder ir buscar o mais baixo tesouro do mundo.</div><div style="text-align: justify;">Ele espera atingir algo,</div><div style="text-align: justify;">Nem que seja um dente partido de tanto ódio</div><div style="text-align: justify;">Ou</div><div style="text-align: justify;">Uma chuva inversa que esbraveje conta as núvens.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas o sol não é bom para ele e ele disse não para todos.</div><div style="text-align: justify;">Mas o lar não é onde o coração está – nem quando, ouviram –</div><div style="text-align: justify;">Não há mais coração,</div><div style="text-align: justify;">Não há lobos em suas horas,</div><div style="text-align: justify;">Não há.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Acabou.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Tito de Andréa</div>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-64711275156338322332011-03-27T10:40:00.001-07:002011-03-27T11:27:55.650-07:00Muito tem se falado da relação do rio com suas curvas<!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:trackmoves/> <w:trackformatting/> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:donotpromoteqf/> <w:lidthemeother>PT-BR</w:LidThemeOther> <w:lidthemeasian>X-NONE</w:LidThemeAsian> <w:lidthemecomplexscript>X-NONE</w:LidThemeComplexScript> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> <w:splitpgbreakandparamark/> <w:dontvertaligncellwithsp/> 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volta, enfim, não sem perdas, mas para gritar com os pulmões cheios de ar que se está vivo e acordado e pronto para o ataque do novo que se impôs durante a ausência de sono eterno que se deu até mesmo enquanto se estava acordado, se impondo lentamente como a água faz, não numa enchente que é quando a água é pura força sem ritmo e sem pudores piedosos, mas assim como o riozinho se impõe, o novo se imporá, como o pequeno rio diante da casa de um homem que não está atento e o rio vai bebendo das chuvinhas que caem e nem dizem muito, a mãe nem recomenda proteções agasalháveis e a chuvinha engorda o rio e um dia o homem está separado da outra margem por um rio imenso, um respeitável rio, um rio oceânico que o exclui, que se não o impedir de gritar, certamente o impedirá de ser ouvido por outra pessoa e o homem precisa agora aprender a conviver com a solidão e com o rio-novo que se gerou durante o sono e durante a vigília pouco vigilante, até o dia em que o rio, ainda sorrateiro e silencioso como muitas vozes caladas, penetra na casa do homem, este espaço sagrado, esse santo lugar, e o afoga e o leva no seio para o nutrir e o reintegrar ao que havia perdido e eu então acordarei e serei como o homem cheio de disposição e não me comportarei como o outro da narrativa que viu o rio-novidade instaurado diante de sua porta, como um desastroso presente e a ele deu as costas, não, não eu, eu não, eu arrebatarei o ar e para gritar a vida à vida e atirarei meu corpo no rio, sem chamas, sem choro, sem rezas, sem coração para ser enterrado no primeiro meandro e vencerei, com plantas presas ao cabelo e certo peso nas roupas, tendo certamente perdido os sapatos e as meias atingirei o outro lado do rio, tudo frio na outra margem, para encontrar um cemitério, o cemitério onde meus amigos, que morreram todos durante o sono, o meu sono, estão enterrados, e este seria um novo rio, um outro desespero, uma nova superposição, imposição da morte nas arestas esquinosas dos meus pés e será preciso não ter ansiedade, saber lembrar da ordem natural do mundo que prega com vivenciada verdade e estudo observado que aquele que dormem devem acordar – em algum momento, a menos que morram e ainda assim a regra é ainda mais verdadeira – que aqueles que dormem devem acordar num mundo completamente novo e solitário com tudo anterior morto e faz parte desse universo onde escolheu-se nascer e é preciso assumir a responsabilidade de suas escolhas e os amigos mortos não fariam mesmo grande falta, pronto, então, está vencido o novo e é preciso saber-se mergulhar nos rios, pois serão muitos com muitas curvas e muitos sonos e novos despertares e velhas mortes e toda noite o mesmo aborto silencioso e torto até que um dos rios vença e eu me afogue e retorne ao fundo do sono de onde saí e para onde retornam todos mesmo que ai retornar para lá, seja como se decidiu chamar esse lá, um lar, um outro plano, outro planeta, o fato é que ao retornar para o lá já não se é nada, ninguém se é mais no fundo do rio, tragado, fumado, tudo esquecido, mesmo em outro mundo, mesmo em outro lugar se está morto, e lá não se poderá encher o peito de ar e gritar a morte à morte, nem vencer nada, mas não se pode estar morto ainda, não, ainda não, que ainda estou dormindo e me adiantando muito na história que conto enquanto estou acordado e do que farei quando estiver acordado, e estou falando tendo consciência da impossibilidade desse pensamento, da impossibilidade de pensar em algo que seja realmente impossível, mas estou eternamente rodeado pelo paradoxo, roendo as paredes do impossível, assistindo lentamente enquanto durmo ou enquanto desperto o lento avançar do rio que se aproxima pronto para instaurar uma nova ordem, afogando os amigos que nunca tive, mas bem poderia ter tido em uma ocasião diferente, tivesse sido eu mais risonho, tivesse procurado, tivesse mantido uma ordem entre acordar e dormir e dormir e acordar e não trocado as mãos pela cabeça e os pés pelos rins ou qualquer outra parte cambiável do corpo que crie uma imagem desesperada que afasta os iguais porque torna-os imediatamente diferentes, então poderia ter tido amigos em uma vida outra ou em uma morte outra, pois estou vivo e morto, eternamente morto por estar vivo e condenado à morte, assim como se está acordado e condenado ao sono, e pedir uma mudança é uma revolta inútil há de ser tragado pelo rio, é impensável uma mudança que toque o coração, troque um acorde, mude as cordas, a nodocorda, aquela do pescoço, aquela do violão, que parte quando muito tesa e não soa nada quando frouxa, e que não pode mudar sua natureza, não pode querer mudar sua natureza, de estar acordado e de estar dormindo e assistindo a chuvisquinha que cai tamborilando no rio que já aumenta, e não posso gritar, ou posso gritar e não posso ser ouvido, o que dá no mesmo, pois a chuva intercepta minhas palavras e as usa para o rio crescer, mistura à lama minha palavra, escorre minha frase rio adentro, criando curvas, cavando meandros, afundando barquinhos de papel das crianças da outra margem, os filhos dos amigos que se afogarão logo, logo e nem sabem porque não podem ouvir ou não sabem ouvir o grito que chega junto com o rio, e só posso esperar para que seja minha vez de acompanhar esse fluxo que as minhas palavras agora acompanham de ser eu a me fundir ao rio, de me deixar levar, de estar úmido e unido a tudo, com o peito risonho e arfante, infantil, para unir-me aos amigos mortos que nunca tive, para unir-me aos filhos deles e despejar os meus filhos junto aos deles, sem um esforço grande, mesmo jamais tendo tido um esforço realmente grande, o que não muda nada, as coisas tendem a continuar as mesmas isso não gera absurdos, sem jamais ter conhecido uma revolta, unido sim, agora sim, ao rio e à matéria-novidade que compões suas cordas vibrantes e imutáveis que compõem seus átomos vibrantes que compõem suas moléculas vibrantes que compõem seu leito vibrante e que agora me vibra e me toma e me leva.</span></p> <p style="text-align: right;" class="MsoNormal"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">Tito de Andréa</span></p><div style="text-align: right;"> </div><p style="text-align: right;" class="MsoNormal"><span style="font-size: 12pt; line-height: 115%; font-family: "Times New Roman","serif";">2011</span></p> <br /><div style="text-align: justify;"> </div>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-7621441936039248402011-02-25T03:50:00.001-08:002011-02-25T03:54:28.049-08:00Você.Você não é o que você vê.<br />Você não é o que você lê.<br />Você não é o que você come.<br />Você não é o que você ouve.<br />Você não é o que você sente.<br />Você não é o que você escreve.<br />Você não é o que você ama.<br />Você não é o que você faz.<br />Você não é o que você sonha.<br />VOcê não é o que você deseja.<br />VocÊ não é o que você escolhe.<br />Você não é o seu trabalho.<br />Você não é as pessoas que conhece.<br />Você não e o lugar onde mora.<br />Você não é o lugar onde morre.<br />Você não é o Deus que você adora.<br /><br />Você não é nada.<br />Você não é nada.<br />Você não é nada.Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-55058523274271553472011-02-01T20:59:00.000-08:002011-02-01T21:02:52.058-08:00Feartrap<div style="text-align: justify;">Todo desespero mínimo o que eu desejo,<br />Minúsculo grão de poeira ensolarado,<br />Quase inaudível som de dentes que rangem,<br />Portões que gemem,<br />Pernas que abrem,<br />Gotas que somem,<br />Sementes que nunca germinam, mas racham a terra e continuam involuntariamente sua longa jornada para o esquecimento.<br /><br />Ser morno na boca do Senhor e esperar,<br />De todo coração,<br />Ser cuspido para o vazio sonolento e violento<br />Onde já não há nada, pois a ausência seria tudo.<br /><br />Conviver com todo tipo de fera,<br />Rezar todo tipo de rosário mortuário,<br />Consolar viúvas e enterrar corpos,<br />Velar escorpiões,<br />Chorar por toda mosca,<br />Se embriagar de todo mal entendido,<br />E permanecer diante do abismo com um certo sorriso.<br /><br />Perder todos os amigos no jogo,<br />Vender a casa,<br />Vendar a família,<br />Queimar papel,<br />Incinerar órgãos,<br />Cheirar a fumaça que resta,<br />Cultivar pequenos vícios,<br />Cultivar todo defeito,<br />Deixar crescer os pelos do rosto<br /> E<br /> Ser feio,<br /> Ser feio,<br /> Ser feio.<br /><br />É meia noite e poderia ser qualquer hora.<br />É meia noite e poderia ser um meio dia.<br />É meia noite, mas o sol que arde dentro incomoda tanto quanto o que arderá fora em poucas horas na cidade infernal onde as cinzas da fogueira se transformaram em moradia para poucos.<br />Na cidade imberbe e sem história que golfa pedras e corrói castelos.<br />Na cidade forte que finge de morta para, na hora certa, ativar a ratoeira que faz o seu corpo, já decapitado convulsionar voluptuosamente.<br />Na cidade guilhotina que come meus livros e sorri amarela de suas casas-casebres-abandonos.<br />Na cidade podre com seus cemitérios condecorados, suas praças hospitalizadas e militarizadas, suas ruas cheias de sacos que guardam, eu bem sei, corpos de gente que nunca morreu e não poderia ter morrido porque jamais chegou a viver.<br />Na cidade aborto que cava buracos sob seus pés para que se caia numa armadilha do medo.<br />Na cidade cidadela que fomenta conversas sobre pânico em salas guardadas por lentes e grades enquanto a vida sopra do lado de fora onde não se pode estar.<br />Na cidade lacuna onde nossos pais desejarão ter suas lápides fincadas.<br />Na cidade rasura onde eu não quero morrer, onde eu não quero viver, onde eu não quero suar nem amar mais que o suficiente para saber que aqui é o lugar dos mortos e dos oprimidos e dos cansados.<br />Na cidade cactus que não é bela nem áspera, nem intratável, visto que há nela toda uma impossibilidade de ser.<br />Na cidade que não é.<br /><br />Bem aventurados aqueles que se vão daqui para todo o sempre e além dos tempos.<br />Bem aventurados aqueles que enlouqueceram de febre e esquecem onde estão.<br />Bem aventurados aqueles que visitam, maculam, aliviam-se e seguem adiante.<br />Bem aventurados aqueles que compreendem o desespero de viver.<br />Bem aventurado eu.<br />Bem aventurado eu que não acredito em um Deus e que estou condenado por todos os olhos.<br />Bem aventurado eu que não acredito na humanidade e que estou condenado por todos os olhos.<br />Bem aventurado sou eu que amo e me permito ao amor, apesar de tudo.<br />Bem aventurado sou eu que me permiti perder sistematicamente aquilo que perdi.<br />Bem aventurado sou eu que fui mastigado pelas horas dos dias incômodos.<br />Bem aventurado sou eu que não sou melhor.<br />Bem aventurado sou eu que fui condenado à má vontade de todos os semelhantes.<br />Bem aventurado sou eu que desejo o pior de cada dia, sorrindo freneticamente a insônia,<br /><br />Que quero o oco dos olhos,<br />Que quero pagar todas as prestações da minha dívida,<br />Dizer a eles todos o que penso:<br />Que não desejo permanecer sujando meus pés em sua terra magra,<br />Intoxicando minha alma com seus santos contraditórios,<br />Amargando minha língua com sua fala vencida,<br />Remoendo suas mágoas fora de validade,<br />Colhendo rosas sem pétalas e sem sexo, secas como tudo que há em sua terra.<br /><br />Permitir-me ser feio,<br />Ser feio,<br />Ser feio é algo que se pode desejar.<br />É tudo que se pode desejar.<br /><br />Afastar os outros com pedidos de esmola impossíveis,<br />Saborear um substantivo orgíaco e deixar a língua convulsiva pelo palato e pelos lábios e fora deles enquanto pernas rijas pressionam suas orelhas,<br />Fugir do universo para um lapso temporal onde só há ela,<br />Fugir da cidade maldição que abocanhou minha vontade e podou as árvores com formatos imbecis.<br />Da cidade salina enfeitada.<br />Da cidade árvore de natal com luzes fracas.<br /><br />Ah, cidade, nos encontramos novamente em meu poema,<br />Ah, cidade, eu sei como se sentem aqueles foram roubados,<br />Que foram enganados,<br />Que foram vilipendiados de alguma forma,<br />Que foram saqueados por sua vigarice,<br />Que foram vencidos pela sua noite,<br />Que sentaram em sarjetas com garrafas vazias,<br />Que tiveram de fugir, de gritar, de maldizer o sol,<br />De inventar qualquer coisa, qualquer tipo de jogo, de palavra mágica, de montanha com segredo, de ladrões místicos e não viciados,<br />De inventar um amigo, de criar literatura, de gastar tudo que se tem em qualquer tipo de coisa que afaste seu nome do meu, cidade,<br />Seu nome infecundo,<br />Seu nome infecto,<br />Inanimada cidade dos ratos e da fumaça e dos escorpiões.<br /><br /> Chove em ti, cidade,<br /> O trem não passou ainda,<br /> Hoje estarão mais que atrasados todos que me encontrarem,<br /> Sua hora passou e estou aqui.<br /><br />É preciso inventar novas covardias e novas malícias para permanecer.<br />É isso o que eu mais desejo,<br />Uma covardia nova,<br />Uma covardia segura, mais covarde impossível.<br /><br />Desejo ardentemente ser cuspido da boca do senhor,<br />Desejo ardentemente não fazer sentido nenhum,<br />Para ser visto como lunático,<br />Para ser tratado como paranóico,<br />Para ser compreendido como um masoquista do espírito,<br />Inferior a tudo que penso,<br />Inferior a tudo que construo,<br />Morto, eternamente morto e eternamente vivo.<br /><br />Ah, cidade, que grande piada.<br />O que você fará no fim de seu espetáculo e notar que ninguém mais permaneceu para assistir?<br />O que você fará?<br />Com suas luzes amareliças e opacas,<br />Com seus homens realmente machos e realmente potentes e realmente capazes de cometer violências,<br />Com seus homens raquíticos e armados e cheios de todo tipo de doença que não mata,<br />Ah, cidade, com quem você foi se meter?<br />Com quem você se associou?<br />Agora é uma menina suja de sangue da primeira menstruação e está viciada,<br />Viciada em asfalto fresco e de qualidade profundamente questionável,<br />Viciada em pedras,<br />Em pó de fuligem,<br />Em fumaça cinza,<br />Em ervas daninhas,<br />Em mendigos que mais são peças no jogo de xadrez que inventamos para assistir o apocalipse.<br /><br />Ah, cidade, prometo já não te dar nada,<br />Prometo virar meu rosto,<br />Prometo não devolver o que me deu,<br />Não entregar de volta tudo que ganhei de ti,<br />Prometo não me vingar.<br /><br />Sigo com meu desejo de ser incompleto,<br />Eternamente incompleto,<br />Inquietamente incompleto,<br />Dotado de uma sagrada incompletude,<br />De uma fabulosa derrota,<br />Afirmando a força da gravidade em tudo que faço,<br />Celebrando comemorações de anos novos que se iniciam a cada hora,<br />Comemorando velórios,<br />Presidindo missas aos inválidos,<br /> Aos igualmente incompletos,<br />Aos vencidos,<br /> Aos enjeitados,<br />Aos perseguidos,<br /> Aos paranóicos,<br />Aos delirantes,<br /> Aos irritadiços,<br />Aos enganados,<br /> Aos desacreditados,<br />Aqueles com nome sujo,<br /> Aqueles com mente suja,<br />Aqueles que desistiram.<br /><br />Girando, sempre para baixo, sempre para o fundo, até atingir o piso,<br />Até atingir algo,<br />O mais mínimo dos desesperos,<br />O mais ínfimo grão de poeira,<br />O menor, o pior, o mais fraco,<br /><br /> Me amem também,<br />Amém.<br /><br />Tito de Andréa<br />2011<br /><br /></div>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-66700455334457784962010-12-25T18:07:00.000-08:002010-12-25T18:09:13.081-08:00Poema-biografia-atraso<!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:trackmoves/> <w:trackformatting/> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> 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serão coisas.<br /><br />O sol não é bom para todos.<br />O sol não é bom para todos.<br />O sol não é bom para todos.<br /><br />Você pode atingir algo,<br />Ler nas entrelinhas,<br />Beijar a lua refletida no olho,<br />Lamber cristais de sal,<br />Solfejar cães risonhos,<br />Iluminar o dia,<br />Mas o sol não é bom para todos, não para todos e as coisas serão sempre as coisas.<br /><br />Felizes são os outros.<br />Os outros os outros dos outros que são os outros para os outros e nunca eu porque eu nasci após o tempo correto e penetrei com unhas compridas num mundo que nunca estaria pronto para me aceitar visto que nunca esteve pronto para ser aceito<br />Felizes são os unicórnios, que puderam deixar de existir sem grande violência.<br />Felizes os Deuses que custam cinquenta e nove e noventa numa edição de luxo que prega o desapego.<br />Felizes os dinossauros que mastigaram fuligem.<br />Felizes os que tentam.<br />Feliz o homem que fez a sua casa à beira de um abismo minado, pois este já não reside sob as graças de Allah.<br />Felizes sempre todos os que olho, a tudo que assisto, em todo lugar por onde passo, pois se escondem e se encontram nisso.<br /><br />Mas o sol não é bom para todos e há aquele a quem chamam de intruso, pois nasceu após seu tempo.<br />Mas o sol não é bom para todos e nem sempre podemos ter um Natal no coração da avó.<br />Pois há morte e algo de errado no seio familiar e as coisas são sempre as coisas para as coisas.<br /><br />Feliz o fogo que lambe tudo e permite que tudo o seja.<br />Feliz o primeiro gafanhoto do vale Meggido.<br />Feliz o primeiro animal morto quando o mar virar sangue novamente.<br />Feliz aquele que, louco, mastigou ferro em brasas, pois este compreendeu a natureza de Deus.<br />Feliz aquele qualquer um, aquele outro qualquer, aquele que não se nota, pois este faz parte.<br /><br />Felizes os outros, sempre os outros, a qualquer preço, a todo custo, pois podemos comprar o amor de Cristo num natal quente e essa é a boa nova que os anjos vieram anunciar em módicas prestações de nove e noventa e começar a pagar apenas no próximo mês de março.<br /><br />Feliz aquele que sorri enquanto ouve o mais triste dos homens falando.<br /><br />É possível ir adiante,<br />Aterrar o mar inteiro,<br />Comer petróleo,<br />Amamentar um urso,<br />Criar o ódio,<br />Fomentar a fome,<br />Cansar-se de tudo e saber que as coisas são as coisas e sempre as serão,<br />E pensar que o sol não é bom para todos e que minha avó está morta e nunca mais me amará.<br /><br />Felizes os outros por serem os outros e nem ao menos tentarem.<br />Feliz o que entoou o primeiro canto de adeus e o primeiro que avistou a bomba,<br />Feliz o que não vê chorar, que não tenta, que não sorri, que não vive ao morrer.<br /><br />Terrível, terrível, terrível, terrível, terrível, terrível, terrível a sina daquele que parou e vislumbrou o sol e sua sina terrível, terrível, terrível, terrível...<br /><br />Felizes os outros, feliz o sol, feliz a terra, o fogo, a água, a palavra.<br />Feliz a língua do sedento,<br />Feliz o primeiro homem a chorar, já não chora e jamais chorará.<br /><br />Tito de Andréa<br />2010<br /></div><p class="MsoNormal" style="margin-bottom: 0.0001pt; text-align: justify;"><br /></p>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-26184827092725290042010-12-13T05:31:00.001-08:002010-12-16T16:59:47.996-08:00Língua<p style="text-align: right; line-height: normal; margin-bottom: 0pt;" class="MsoNormal"><span style=";font-family:'Times New Roman','serif';font-size:85%;" >ao amigo que me entregou essa história</span></p><p style="text-align: justify; line-height: normal; margin-bottom: 0pt;" class="MsoNormal"><span style=";font-family:'Times New Roman','serif';font-size:100%;" >- Falar. É preciso falar com alguém. Se só há você. Só há você. Para transmitir essa fala mastigada, nessa língua comida por traças, nessa língua comatosa que compartilhamos, que dividimos. Essa língua já apodrecida, velha demais, gasta demais, insuficiente. Só temos a nós para falar. Só temos a nós e o mundo já não é novo. Envelhecemos com a língua, fomos comidos assim como ela foi comida, e a terra dos pés agora cheira a pó e tem gosto de fumaça escura. Estão salgados os campos e até os deuses do pai e da mãe e as árvores e os pássaros falam outra língua. Para ouvir a essa da qual falo, só nós estamos aptos, apenas nós dois e até mesmo nós dois não tardaremos a morrer. Sim, primeiro morrerei eu, depois, com a minha ausência morrerá você. Os ritos em língua materna não ocorrerão. Mas devemos ser perdoados pela falta. Não é tão grave, não faça essa cara, não, veja, levaremos ao mundo dos mortos nossa língua igualmente morte e nossos ancestrais nos receberão com cânticos de vitória como aqueles que a infância guardou dos exércitos. Poderíamos falar sobre a infância agora, falar sobre isso, sobre a infância, dos pés na terra, do gosto das coisas. A terra. Foi prometida? Alguém a prometeu? Poderíamos falar sobre mais, só há você para me ouvir e só eu para ouvir a você, vê? Somos como irmãos dentro de um ventre, agora. Antes os homens, os outros, passavam por nós e nos olhávamos como se fossemos loucos, dementes. Colocaram-nos aqui. Longe. Para não incomodar. Que não incomodemos. E não usaram nossa língua para se dirigir a nós. Eu, eu e você, que somos esses velhos, que não servimos, falamos essa língua-vento, merecemos certo respeito. Que nos tranquem juntos, é ter alguém com quem falar, vá lá, mas que o façam direito, com respeito, com um rito. É preciso manter a calma, me aproximar, só há você para me ouvir, somos os últimos. Todos mortos ou convencidos, convertidos, esquecidos. Nossa língua capenga. Nossa língua muleta. Está louca. Só nós dois. E você mal ouve. Eu falo e você fala ao mesmo tempo, mal ouço o que você diz, quando me calo para tentar você faz o mesmo, quando recomeço tudo se inicia igualmente. Você mal deve ouvir também, mas eu levo a mão à cabeça e você faz o mesmo, eu me afasto e você se afasta, me aproximo e você volta. É preciso dizer. Falar. Se só há você, falo com você. Que par. Nossa língua mereceria mais? Não. Provável que não. Que par. Poderíamos falar sobre isso. Em nossa língua é possível falar sobre qualquer coisa. Tudo. Poderíamos falar sobre tudo. Mas eu tento tocar sua mão e só toco o vidro. Quem dividiria duas celas com vidro? Quem constrói duas celas tão iguais e simetricamente inversas? Você tenta me tocar também, o rosto frustrado, igual a mim. Posso sentir em mim que as feições são iguais, não são? Igualmente frustrados. Poderíamos quebrar o vidro e nos abraçar, mas e se nos separassem? Não, não podemos arriscar, é preciso falar, é preciso falar. É preciso que haja alguém. Qualquer um. Só há você. Que entenda. Que entende. É preciso falar...</span></p><p style="text-align: justify; line-height: normal; margin-bottom: 0pt;" class="MsoNormal"><span style="font-size:100%;"><br /></span></p><span style="font-size:100%;">Tito de Andréa</span>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-45918656936741289862010-11-28T16:20:00.000-08:002010-11-28T16:22:11.017-08:00Poema-poemas momentos de desesperinhoI<br />É preciso não perder tudo<br />Deixar um pedaço<br />Um que seja<br />Sal<br />Saudades.<br /><br />II<br />E por tudo que eu sinta<br />Venha a sentir<br />É preciso que sinta<br />Muito.<br /><br />III<br />Ver tudo<br />Que pude ver<br /><br />IV<br />Esperar para ver<br />Cumprir-se<br />Um carnaval que seja<br />Quando fevereiro chegar.<br /><br />E torcer,<br />Para que nenhuma saudade<br />Chame meu nome.<br /><br />V<br />Amigos quis,<br />Querias, louro bocomoco.<br /><br />VI<br />Chorar nunca<br />,<br />Mas...<br /><br />VII<br />Chegam momentos<br />De prestar atenção e escrever<br />Mas Jesus sabe<br />Que nem toda cruz se escreve com pregos.<br /><br />VIII<br />Ri risos<br />De morte,<br />Mas o poema, irmãos,<br />Não riu.<br /><br /><div style="text-align: right;">Tito de Andréa<br />2010<br /><!--[if gte mso 9]><xml> <w:worddocument> <w:view>Normal</w:View> <w:zoom>0</w:Zoom> <w:trackmoves/> <w:trackformatting/> <w:hyphenationzone>21</w:HyphenationZone> <w:punctuationkerning/> <w:validateagainstschemas/> <w:saveifxmlinvalid>false</w:SaveIfXMLInvalid> <w:ignoremixedcontent>false</w:IgnoreMixedContent> <w:alwaysshowplaceholdertext>false</w:AlwaysShowPlaceholderText> <w:donotpromoteqf/> <w:lidthemeother>PT-BR</w:LidThemeOther> <w:lidthemeasian>X-NONE</w:LidThemeAsian> <w:lidthemecomplexscript>X-NONE</w:LidThemeComplexScript> <w:compatibility> <w:breakwrappedtables/> <w:snaptogridincell/> <w:wraptextwithpunct/> <w:useasianbreakrules/> <w:dontgrowautofit/> <w:splitpgbreakandparamark/> 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dê.<br />Entreguei, aos urubus e teus outros irmãos;<br />Certo tempo atrás,<br />Tudo que trazia comigo:<br />As flores e os fios pequenos,<br />Os guardados dos bolsos<br />E dos corações em fundo de poço:<br />Cordas firmes rompidas,<br />Pedaços de madeira apontados,<br />Cadernos coloridos amontoados:<br />Outros tempos<br />De templos de papel.<br /><br />Disso já não tenho nada.<br />De sóbrios violões-rodas-gigante,<br />E filosofia bêbada e paraíso-comprimido<br />E cerveja iluminadas e casas sem janelas e<br />Todo tipo frio de abandono que se clama no calor.<br />Disso que tínhamos e já não tens,<br />Nem eu tenho.<br /><br />Haveria, aqui,<br />Certo tempo para falar.<br />Falar das tintas de caneta que me lembro,<br />De todo tipo de contenda-coliseu que se dava<br />(e não dará),<br />Das praças nem sempre tão verdes e dos olhos<br />Nem sempre não limpos,<br />Dos corredores e dos sons:<br />Elefantes em copos de água,<br />Fluorescência de uma primeira-qualquer-coisa,<br />Palavras só criadas para não dizer,<br />Caixas cheias de tinta e,<br />Aqui,<br />Meu riso com certo escárnio e forte amargura.<br /><br />Da palavra irmão que aprendi a dizer,<br />Para logo aprender a calar de medo,<br />Ao som forte e grave que procede a um rompimento de corda,<br />O vibrar da corda antes de pôr-se tesa,<br />O momento exato antes da quebra,<br />Todo meio riso e falta de graça,<br />Todo olho empedrado em granito,<br />Todo meio ódio nos cabelos alheios,<br />Todo amor dado...<br />Ah, aqui,<br />Novamente há,<br />Meu riso escarnecedor que aprendeu a chorar.<br /><br /><div style="text-align: center;">II<br /></div><br />Do espírito de luz às almas desertas,<br />Tão igualmente desertas num deserto igual,<br />Já não guardo tanto.<br /><br />Também distribuí palavras e certo vômito<br />Com cores de ontem<br />Quantidades de fumaça e risos de cúmplice<br />Já não é possível o retorno.<br /><br />Ao primeiro Deus ou<br />Ao primeiro momento,<br />Transgressões óbvias e bebidas que se recusavam a esquentar.<br />Já não há lembranças de uma irmandade nunca dita,<br />De dores mutuas,<br />De proximidades...<br />Do fogo nos cabelos<br />Nunca saberás<br />(o que é ainda mais triste?).<br /><br />Já não guardo nada para ti,<br />Aos teus próximos –<br />Amores e comensais –<br />Entreguei o que tinha e o que podia,<br />Toda poesia encerrada numa cesta,<br />Todo deus-anão sepultado no peito,<br />Todo plano firme, terra quente, sol sedento,<br />Sede morta, água velha, olho amarelo,<br />Confissões mútuas de saudades,<br />Música e Literatura, que serpentes...<br /><br />Vejo-os juntos e já não compartilhamos<br />Mesa e passo.<br />Já não é hora de incompletude na ausência,<br />É preciso que haja,<br />Nas praias da alma,<br />(Onde não se pode ficar)<br />Esquecimento,<br />E, aqui,<br />Também ao teu nome,<br />Sopro o riso amargo e ácido<br />De um veneno de pedras,<br /><br />Já não há tempo para mágoas,<br />É chegado um novo dia,<br />Com um sol igualmente odioso,<br />Mas que,<br />Não será dividido.<br /><br />Já não coleciono fragmentos ou partículas,<br />Não arrecado,<br />Do chão,<br />Pequenas pedras amontoadas.<br />Não almejo ponte ou oceano,<br />Não sonho amizades,<br />Nem falo pronúncias.<br />Tudo em mim é calmaria<br />Fumarenta ou não.<br /><br />Espero que, de mim,<br />Guardem todos os conselhos,<br />Que tomem as veias sobre as quais lhes falei<br />E vão<br />De volta ao começo que termina,<br />Falar de buddhas e de Deus (único que há)<br />Que tome o músculo cardíaco nas mãos e<br />Leve-o,<br />Ouvindo ao fundo,<br />Sempre ouvindo ao fundo,<br />A sonora benção<br />Que entoa meu riso.<br /><br /><div style="text-align: right;">Tito de Andréa<br />2010<br /></div>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-24559655297319196132010-09-24T14:27:00.000-07:002010-09-24T14:32:05.702-07:00Só aquele que já ouviu o som dos próprios cabelos queimando poderá compreender o que sintoPara além de tudo que seja cinza,<br />Fumaça e sal,<br />Pedra e papel: palavra.<br /><br />Para além disso, antes disso<br />Entre isso, sempre no centro vazio.<br /><br />Oco,<br />Oco tudo o que toco,<br />Oco tudo que vejo,<br />Conheço.<br /><br />Apenas àqueles que já ouviram seus gritos,<br />Apenas àqueles que já choraram esmagados,<br />Por todo peso do mundo,<br />Por tudo desmoronamento, queda, silêncio de si,<br />Por todo olhar, todo tormento, angústia e rancor de amigo.<br />Apenas àqueles que tocaram a pedra mais fria e souberam que não tocavam nada<br />E que sabem que nunca tocaram nada<br />E que sabem que nunca tocarão nada,<br />Apenas a esses dedico este poema<br /><br />Este poema-abandono<br />Este poema-deficiência deficiente.<br /><br />Para além de tudo que tenha um desejo,<br />Para além de tudo que tenha qualquer coisa com um nome,<br />Acima disso, abaixo disso, aos lados disso,<br />Mas nunca isso,<br />Não, jamais algo,<br />Jamais, menos.<br /><br />Àquele que sabe pronunciar o silêncio,<br />De braços abaixados e olhar veloz,<br />De cabeça firme,<br />Firme e sem direção<br />Firme e nula,<br />Apenas a este dedico o poema<br />O poema-fome<br />O poema-face.<br /><br />As coisas se mantêm coisas.<br />Nunca dizem e nunca dirão,<br />Nunca tocam e nunca.<br /><br /><br />Às coisas cheias de poeira,<br />Cheias de doenças guardadas,<br />De palavras imundas,<br />De ranço e rosnados,<br />Deixo meus pertences mais preciosos.<br /><br />Esvazio a caixa-forte-peito.<br />Despejo seu conteúdo sobre tudo,<br />Para que suje a tudo, para que sangre em todos,<br />Para que não toque a nada,<br />Todos os amigos e seus risos e suas asperezas,<br />Todos os amigos e suas dores e seus carmas,<br />Todos os amigos, todos eles e mais que eles,<br />Eles e o que eles são,<br />Mas não o que eles foram.<br /><br />Abrem-se as bocas e falam mil vozes saídas do escuro,<br />Do dentro.<br />Mas meu nome já não é legião,<br />Visto que estou sozinho.<br /><br />Despejo do balde assim chamado corpo<br />Litros e litros de mágoas,<br />De todas as cores os líquidos,<br />Com todos os odores do mundo,<br />Para perfumar os cabelos,<br />Manchar as roupas,<br />Ornar as ruas com vapores,<br />Para fazer fluir os rios do outro,<br />Para atingir,<br />Mas não para tocar.<br /><br />Deixo, ainda, meus restos.<br /><br />Da carne,<br />Um Deus já tão falado,<br />Um Deus cor de carne-viva,<br />Um Deus e só sal<br />E sol.<br /><br />Dos sangues que sobrarem<br />Deixo o que neles ficar preso,<br /><div style="text-align: justify;">Algumas folhas secas, pedaços de papel, sete pedras (que não mataram um gigante), pontas de cigarro, poeira, areia, o chão onde estiver, a terra por onde passar e todo pé que já pisou esta terra.<br /></div>Que fique por saber:<br />Pisou e não tocou.<br /><br /><br />Dos ossos deixo o que já está,<br />Um resto de ódio brando e ancestral,<br />Um paterno ódio amoroso,<br />Que ele possa te tomar nos braços e te dar amor.<br /><br />Das unhas, dentes e cabelos<br />Deixo tudo que estiver vivo neles.<br /><br />Do falo e dos rins,<br />Deixo tudo que eles nunca tocarão.<br /><br />Dos joelhos e testículos,<br />Cada pequena dor súbita.<br /><br />De todo o resto leve o que encontrar,<br />O que desejar encontrar,<br />O que puder,<br />Preencha com gananciosa esperança todos os bolsos da roupa,<br />Todos os recipientes que tiver levado junto.<br /><br />E ao que sobrar,<br />Se sobrar,<br />Permita o que eu permito<br />Que se abandone à intempérie de um sol<br />Um sol que nunca me foi nada<br />Que nunca me deu nada além de nada,<br />Além da secura da rua<br />Além da certeza clara, clara como tudo no seu meio-dia,<br />Da impossibilidade,<br />Do passado<br />E do sono.<br /><br />O poema que sobra<br />Não guarde.<br />Deixe aos que gritam e sabem<br />Nunca ter tocado nada.<br /><br /><div style="text-align: justify;">Tito de Andréa</div>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-87254022832919109112010-09-03T19:16:00.000-07:002010-09-03T19:18:07.677-07:00De todos os laços<div style="text-align: justify;">Senhoras e senhores,<br />Membros do Júri,<br />Vocês, humanidade inteira,<br />Cada um de todos,<br />Todos que viram o pescoço quando há um grito,<br />Cada um que tem quem lhe grite,<br />Cada um que tem por quem gritar,<br /><br />Acotovelem-se, pisem-se, amontoem-se,<br />Retesem os músculos, tencionem as têmporas, ranjam os dentes,<br />Ergam os punhos, batam os pés, fixem os olhos,<br /><br />Venham arrastados, corridos, subidos em árvores,<br />De todos os lados,<br />Por todos os lados,<br />Em toda parte,<br />Venham.<br /><br />Vejam:<br />Todos os olhos, todos os olhos que puderem olhar, olhem, vejam, o que eu posso dizer, o devo eu dizer, diante de tal laço? E para mim, para mim, Santo Juiz, para mim o que são laços?<br />A mim, o que dizem para mim todos os laços do mundo?<br />Eu, eu que só falo de mim, só conheço a mim, só sinto a mim,<br />Só a mim sofro e mato.<br />Eu que, sistematicamente, rompi todos os laços.<br /><br />Todos os elos<br />Todos os elos, perdidos.<br /><br />Santo Juiz, do útero, Meu Juiz, do útero! A primeira corda, o primeiro laço, rompido, logo rompido, com os dentes, com uma tesoura, com as unhas, rompido, não importa como, repito; rompido.<br />Rompido e enterrado.<br /><br />Mas só toco no assunto por ser o primeiro de tantos. Tantos outros, tantos outros laços, não só físicos. Além da física. Muitos outros laços. Falo do primeiro, do da mãe, do início. Um marco. Apenas, isso, Pai Juiz. O primeiro e o último se encontrando, se vendo.<br />O primeiro enterrado,<br />O último pendendo.<br />É como estar dentro de um círculo. Que começa debaixo da terra e termina sobre ela. Para voltar em seguida. Como fazem os círculos.<br /><br />Não cortei a primeira corda e não cortarei a última. Começo e fim. O círculo permanece. É uma pena? O pecado valeu a pena?<br />Mas é mesmo preciso falar de pecados? Um homem precisa, pois, definir seus parâmetros, e chego ao ponto crucial do meu discurso, Senhor Juiz, um homem precisa definir seus sentimentos e precisa, antes de tudo, saber o que quer dizer quando o diz e, ainda mais, quando não o diz. Pois sempre se está a dizer. Estamos mergulhados até as narinas nesse esgoto fétido chamado linguagem. Afogados. Condenados, infinitamente condenados. Mas antes de tudo é preciso amar ao próximo, não é isso? Amar ao próximo? A grande lição? Amar ao próximo como a mim mesmo? Como se fosse a mim? A mim, Senhor Juiz? Logo a mim?<br /><br />Seria, então, definitivamente necessário, a partir disso, definir quem sou, o que quero para mim, o que espero dos outros e o que posso oferecer a eles.<br />Respondo:<br />Nada.<br /><br />A todas as perguntas, senhores membros da humanidade, do júri, Santo Juiz, a todas as perguntas que me foram feitas por todos os interrogatórios a que fui submetido, pois todo tipo de conversação, para mim, sempre foi algum tipo, mais ou menos agressivo, devo dizer, de interrogatório.<br />Em todos eles disse pouco. Pouco quando disse.<br /><br />Nunca ofereci nada, nem pensei em tentar pegar de volta qualquer coisa que me tenham tomado. Os olhares, Senhor Juiz, cada um dos olhares, dei-os de graça. Não se tem isso todo dia. Senhores membros da humanidade, são-me testemunhas, nunca pedi nada de volta. Nada. Assim como dei, recebi. Nada.<br />Não sei mais o que poderiam esperar de mim.<br /><br />Mas me vejo hoje aqui. Diante do laço. Não que tenha sido trazido por capataz, Senhor Juiz, ou por mão hostil, ou braço forte. Não. Vim à força de minhas pernas à forca de meu laço.<br />Último laço.<br /><br />Rompi todos os laços até que encontrei, devolvido a mim, o último.<br />Aquele que não romperei.<br />Fim de círculo, fim de partida,<br />Meu cordão umbilical com o mundo.<br /><br />Tito de Andréa<br /></div>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-28905090729949605272010-07-13T18:19:00.000-07:002010-07-13T18:22:01.708-07:00Selvagem<a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://weblogs.baltimoresun.com/entertainment/books/blog/Oscar%20Wilde.jpg"><img style="display: block; margin: 0px auto 10px; text-align: center; cursor: pointer; width: 332px; height: 480px;" src="http://weblogs.baltimoresun.com/entertainment/books/blog/Oscar%20Wilde.jpg" alt="" border="0" /></a><br /><div style="text-align: center;"><a onblur="try {parent.deselectBloggerImageGracefully();} catch(e) {}" href="http://lkthayer.files.wordpress.com/2010/01/oscar_wilde.jpg"><br /></a><br />Para não dizer que não falei das flores.<br /></div>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-87584733297469139712010-06-10T16:52:00.000-07:002010-06-10T16:53:06.143-07:00Cotidianas de VI a XCotidiana VI<br /><br />Cláudio, cansado que era, deitou.<br />Preferia não ter acordado.<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Cotidiana VII</span><br /><br />Fraturou duas pernas e uma costela. Não obstante veio-lhe a avó.<br />- Viu o que eu disse? Brincar na janela dá nisso.<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Cotidiana VIII</span><br /><br />- Jesus é o Senhor.<br />Disse o enfermeiro ao paciente de alzheimer.<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Cotidiana IX</span><br /><br />Luís estava feliz, até, quando saiu de casa. O problema foi o dia.<br /><br /><span style="font-weight: bold;">Cotidiana X</span><br /><br />Os animais corriam feito loucos.<br />João Da Cruz, porteiro do zoológico, morreu pisoteado.<br /><br /><br />Tudo por Tito de AndréaHorlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-56189465421151937042010-06-06T15:26:00.000-07:002010-06-06T15:35:00.503-07:00Pequenas narrativas Kafkianas<div style="text-align: center;">Os Amaldiçoadas<br /><div style="text-align: right;"> a Franz Kafka<br /></div></div><br /><div style="text-align: justify;">Daqui, onde estamos agora, jamais sairemos. Ficaremos todos aqui, para minguar e morrer à fome e à sede. Arranharemos paredes e rangeremos os dentes e esperaremos para que amanhã não estejamos mais vivos.<br /></div><br />*********************************************************************<br /><br /><div style="text-align: center;">O Opressor<br /></div><br /><div style="text-align: justify;">O encontrei pela primeira vez em uma parada de ônibus. Estava de pé, ao meu lado, me olhando. Entrou no mesmo ônibus que eu, sentou-se ao meu lado e me encarava. Desceu onde eu desci, entrou em minha casa, sem dizer uma palavra, sem um gesto, um toque. Parou ao lado de minha mesa e não parou de me olhar. Até hoje. Quando saio de casa ele me acompanha. Não se perde de mim. Só para de me ver por milissegundos quando pisca. Está sempre aqui. Sempre ao meu lado. Mesmo agora. Mesmo agora. Agora. E sempre estará.<br /></div><br />*********************************************************************<br /><br /><div style="text-align: center;">A Visão<br /></div><br /><div style="text-align: justify;">Levantei a cabeça e a vi. Falava algo que, a princípio, não entendia direito, mas depois notei que narrava minha vida. Logo atingiu aquele momento em que estava e adentrou meu futuro e foi adiante. Tentei prestar atenção, mas, logo entediado, adormeci.<br /><br /><br /><br />Tito de Andréa<br /></div>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-10704703708832451522010-05-18T19:30:00.000-07:002010-05-18T19:36:37.690-07:00Des-<div style="text-align: justify;">Escuta, escuta por favor. Tudo isso que eu te disse deve ser esquecido. Entende? Você entende? Eu estou aqui cheio de lágrimas e punhos pedindo. Esqueça. Escute. Só escute. Ouça. Não precisa entender. Não precisa lembrar de nada. Eu estou aqui. Agora aqui. Morto aqui e aqui eternamente vivo. Imutavelmente vivo. Não. Não afaste a mãos ou os pés. Deixa aqui a mão. Deixa aqui. Não falarei mais. Não falarei nada. Serei silêncio. Sim. Escute apenas o silêncio. O silêncio entre uma palavra e outra. O silêncio branco do papel. Entre uma letra e outra, silêncio. Silencio. Vazio e silêncio. Olha pra mim. Olhe para mim. Eu. Eu aqui cheio desse branco silêncio. Desse branco silêncio e de muitos outros. Silêncio de muitas palavras. Silêncio de rio cheio de chuva. Você já foi ao rio? Já viu o rio correndo? Já ouviu o grito de tudo? Tudo não grita, Mêandro. Não existe grito. Não existe voz. Só tato. O tato do toque no toque. Do ar arranhando os ouvidos e arando a terra de dentro. Dentro, Mêandro, é ainda mais tato. Tátil. Mas espere, espere e escute. Escute. Queime. Queime as minhas cartas, queime os poemas, queime todos os livros. Queime a mim. Nada gritará. Não gritarei mais que estalos. Rompimentos do fogo e de suas muitas outras coisas. O fogo não gritará. Escute. Só escute. Eu sou esse velho aqui. Esse velho. Babel toda babada. Velho babão, escroto. Confusão de sons. Gorgolejo de baleias bebendo. Ronronar de tigres. Não vá embora. Raiva? Raiva, Mêandro? Raiva é combustível, não precisamos mais disso. Não precisamos de combustível para movimentar os braços, Mêandro. Agora podemos cair em qualquer vala, mijar-nos todos, sujar tudo e ficar lá. Inanição. Desapego. Desapego? Menos que isso. Ainda menos depois. Cada vez menos. Apenas lacuna. Que o único ruído seja os dentes. Os dentes rangendo. Rangendo no fundo da vala. A língua? Que seja mastigada. Que seja devolvida. Engolida, cuspida em pedaços, em pequenos pedaços que não dirão nada. Não precisamos disso. Terra é a minha palavra. Terra é o meu silêncio. A vala cheia de terra. Cheia. Cheiíssima. Cheiíssima de mim. Mêandro, preciso só do seu esquecimento. Não é nada. Nada. Todo texto é pretexto. Todo texto é rascunho. Eu quero a sua rasura, seu borrão. Sua boca cheia de saliva? O que é saliva, Mêandro? O que é saliva para quem tem muito mais que isso? Que tenho a boca cheia e transbordante de muito mais que isso. Escute. Só escute. Queime tudo. Repito e esqueço. Queime todas as cidades. Mude de nome. Chame-se Nero. Chame-se Apolo. Chame-se Prometeu. O que é um nome no mundo, Mêandro? Queime tudo e espere pra ver ser algo grita. Olha pras coisas, Mêandro. Olha pra mim. Em chamas seria diferente? Ponha fogo nas florestas. Em chamas os desertos. Em chamas os mares. Em chamas as nuvens. Centenas de cavalos inflamados, as palavras. Ateie fogo aos rebanhos dos homens. Nos homens. Suas casas. Crie asas e mude de nome. Chame-se Pegasus. Ícaro. Saia voando. Crie asas e abrace o sol. Em si? Escute. Escute, Mêandro. Só escute. Vá escutando e esquecendo. Esquecendo. Eu quero que você esqueça. O que eu quero de você é que você esqueça tudo. Papéis, sons e imagens. Fotografias. Tudo frio. Tudo frio no fundo do rio. Escute. Só isso. Nem isso. Menos ainda. Veja. O que são as coisas. Toque seus nomes, Mêandro. Toque-os. Troque-os. Você cerra os punhos. Você cheio de raivas. Esqueça. Contra mim você aponte seus exércitos. Me espinhasse e me transcorra. Trespasse. Perpasse. Eu caminho. Eu estrada. Quando terminar o ódio me seja. Eu poeira. Eu restos. Me veja. Nem me importo. Sou isso. Esquecimento. Aqueça. Deite comigo. Me cuspa. Se eu choro aqui é porque dentro arde. Se soco a terra é só pelos sons. Nem me movo, nem falo nada. Nem morro. Nem mato. Minha tocha é meu nada. Nada não. Tudo em vão. Eu no vão do chão. Mas de ti eu não espero um mar de lobos, Mêandro. Só espero uma lua branca. Espero áspero. Superfície. Troque de nome. Se chame Dionísio. Se chame Qualquer. Se chame Outro. Afogue os soldados. Agora. Apague tudo. Se apegue a tudo e ateie fogo a si mesmo. Deus nem te ouve nem te vê. Sente. Nem isso. Menos que isso, Mêandro. Deus é combustível. Cristo em cruz. A César o que é. De deus só sei. Mêandro, não proclame com o vão da boca. Em vão. Cão. Não traga aqui o que aqui não pertence. Não temos temor. Não temos tempo. Trememos. Deus, Mêandro, é a minha ânsia e eu a vomito e ela passa. Passou. E eu quero de ti é que você esqueça. Desdigo tudo. Esqueça. Esqueça e veja. Aquiesça. Esqueça e seja. Sempre além. Nunca amém. Ame e que assim seja. Esqueça. Fogo e castelo. Palavra é oco e ocos estamos. Somos. Nos que somos, estamos. E dentro e ao redor é silêncio. Prometa e esqueça. Veja. O resto sou eu.<br /></div><br />Tito de AndréaHorlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-12637879413786842902010-03-24T07:24:00.000-07:002010-03-24T07:26:04.169-07:00O Resto se Chama Não<div style="text-align: justify;">É preciso ser mais para afugentar fantasmas. É preciso ser mais para gritar a facilidade da morte como aqueles que nunca pensaram em morrer. Mas eu sei da distância entre a folha seca e o chão. Eu sei da música que a folha canta também quando é preciso estar desejoso de queda e distancia. De vazio.<br /><br />Cantamos eu e a folha.<br />E não tocamos o chão.<br /><br />Como os homens que entoam mantras entoam mantras eu entôo o mantra da pedra.<br />Como se ajoelham eu me ajoelho.<br />Mas não entrelaçaremos as mãos nem choraremos juntos, pois é longa a jornada da lágrima e grande a distância entre o dedo e a pele.<br /><br />- Rasgarei a tudo que não me toca, diz a pedra.<br />Dizemos eu e a folha e a água.<br /><br />E não sento à mesa dos homens que veneram um Deus chamado fora. Eu não furto da ovelha sua oferenda para si. E não roubo do pomar o fruto que ergueu, obelisco interior para adorar a todos os nomes que dançam dentro.<br /><br />E não dançarei.<br />Mas sim, como a árvore,<br />Guardarei os nomes santos<br />E indecifrarei o código da areia que muralha se projeta<br />E antilerei a água que parede se afoga<br />E desconhecerei<br />Castelos montanha,<br />Tribunas floresta<br />E lua estrela.<br /><br />E riscarei com os dedos tudo que se chama Outro.<br />Negarei com os olhos tudo que se chamar Além.<br />Afastarei com o corpo todo tudo que chama Irmão.<br />E, com tudo que restar, voltarei para dentro para renomear com sangue e repovoar sem medo e preencher com dádivas tudo que for dentro e espaço e força.<br /><br />Então,<br />Como fazem os montes,<br />Manterei pulsante o coração-pedra-vivo e viverei para mim<br />Adorando o inverso de Deus Fora Sempre e dizendo,<br />Com a voz dos cânticos:<br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br /><br />Tito de Andréa</div>Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-92204411253507221182010-02-05T06:53:00.000-08:002010-02-05T06:54:53.996-08:00Suicídio-Estou cansado de tudo,<br />Disse o peixe<br />E se deitou na rede.<br /><br />Tito de AndréaHorlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-27282022237117689012010-01-09T09:58:00.001-08:002010-01-09T10:08:01.751-08:00Poema-biografia-para-nuncaHá terra firme onde piso,<br />Apesar da dureza da chuva<br />E do firme olhar do elefante devorado.<br /><br />Há essa terra firme e intransponível<br />Onde pás e unhas não penetram<br />E homens são enganosamente acorrentados.<br />Não há coração.<br /><br />Em vão brotam azeitonas e leite<br />Mel para poucos<br />É preciso fumaça e ratos,<br />É odor aprazível ao Senhor,<br /><br />E em vão clamo seus nomes santos,<br />E encontro apenas som e impacto dentro dos pactos.<br /><br />Apenas essa terra firme e terrível<br />Com cheiros guardados de gaveta<br />- Fumaça.<br /><br />Piso, além das nuvens e ossos rijos, essa terra seca e metálica<br />Onde a sede e o sedento se humilham<br />- Mais, eu disse.<br /><br />Estou pedindo mais e dando nomes aos números impares<br />Amontoando cadáveres significativos e não é hora.<br /><br />Não é chegada a hora de alimentar lobos e de dar de comer às feras,<br />Não é vindo o tempo cantar.<br /><br />Foi-me prometido mais além dessa dança da chuva que não danço e desses cantos em tempos de riso,<br />Foi-me prometido mais além dessa firmeza e dessas paredes de sol,<br />Foi-me prometido mais além do gosto de fumo e da vergonha de criança sem pai.<br />Foi-me prometido mais além do azedume e da ausência abandonada e sempre imediatamente aqui.<br /><br />A mim prometeram algo além de um azul solitário e uma terra-fumaça firme.<br /><br />Algo além de uma escrita de pontes e de cidades superpovoadas e chamados e quereres raramente mútuos.<br />Algo além de um segredo declarado e uma bandeira-mácula para identificar o sangue.<br /><br />E ainda além de um sangue baleado de ácido e carne.<br />Um sangue ruim de um ancestral amaldiçoado,<br />Um sangue menos, um sangue também, um sangue eu.<br />Um sangue só.<br />A mim foi prometido algo mais que uma missa-música-réquiem para os vivos.<br />Algo mais forte que um caroço de montanha,<br />Algo mais distante, mas não de mim.<br /><br />Algo que...<br />Sempre que...<br /><br />Mas caminho e lavro os vermes da terra com esporos de fungos verdes.<br /><br />Pois não é mais firme que eu a terra que piso com o corpo-fumaça que apraz ao Senhor.<br />E afunda em mim a terra como se fosse eu a água.<br />E penetra em mim o arado da lavoura<br />E em mim, a quem tanto foi prometido; em mim são plantadas as sementes que não germinarão.<br />Pois é densa e subnutrida a terra-eu que prometeram.<br /><br />É fria e caustica e há pedras ainda mais densas e frias e sangues carnosos baleados de ácido sorridente e cujo odor, às narinas do Senhor, é ainda mais aprazível e delas se compadece, pois, em Sua justiça, vê que são boas.<br /><br />Não em mim, o pedregoso conjunto de carne e sanguíneo de promessas por cumprir.<br />Sempre à espera de algo além.<br /><br />Além do cardume que vence a correnteza da montanha para fecundar a lama.<br />Além do girino transpondo a lama para ser sapo numa terra salgada,<br />Além dos ursos canibais comendo seus filhos e irmãos através da fome,<br />Além do homem lavrando a terra com sementes que não nascerão nunca.<br /><br />Além do monte e do morto e da lentidão e da desordem.<br /><br />Além do sangue carnoso.<br /><br />A mim foi prometido algo além de ir seguindo adiante (nem sempre) lavrando vermes, afogando a terra para afagar as pedras que agradam, mais que eu, ao Senhor.<br /><br />A mim foi prometido o destino de ter todas as promessas por cumprir.<br /><br />Tito de AndréaHorlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-23348900264379026102010-01-04T21:19:00.000-08:002010-01-05T13:29:56.579-08:00LamentoSobre meu destino discutem deuses minúsculos<br />Que de forma alguma merecem adoração<br />Cumprem seus papéis e eu<br />Cumpro o meu.<br /><br />Com certeza venho de uma longa linhagem de um povo antiquíssimo<br />Daqueles que costumam habitar planícies<br />E, acima de todas as outras coisas,<br />Aprenderam a temer o lobo e a floresta.<br /><br />Minha pele, na parte de dentro,<br />Está povoada de inscrições,<br />Num alfabeto antigo e milenar<br />Cujos sábios já estão cegos e de tato amofinado.<br /><br />Há, no clã de que venho,<br />Grande sentimento de derrota,<br />Joelhos que pesam<br />E mãos que se repuxam de anzóis.<br /><br />Costumávamos, em tempos bons,<br />Cobrir-nos de cinzas e danças para a chuva,<br />Mas hoje eu,<br />Apenas estou apto aos atos fúnebres.<br /><br />Nasci sob os desígnios de um mau signo,<br />Com luas proscritas a reger meu céu.<br />Gritos na parte de fora dos ouvidos<br />Chamados e dores tumulares.<br /><br />Além da certeza da orfandade cativa,<br />O sentimento de um pólo negativo no peito,<br />De ser o próprio pai e avô<br />Do próprio desespero de si.<br /><br />Sabendo do fundo dos fundos,<br />Que se é o próprio povo,<br />Que em si começa e terminam as necessidades da tribo<br />O clã.<br /><br />Ser-se só solidão<br />E viver sendo o próprio útero<br />Carregando<br />A luz do próprio aborto.<br /><br />Tito de AndréaHorlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-87804060440458626392009-11-28T10:07:00.000-08:002009-12-10T17:06:30.739-08:00L'Áfrique<div style="text-align: right;"><span style="font-size:78%;">a Rimbaud<br /><br /></span><div style="text-align: center;"><span style="font-size:100%;">"Wild child<br /></span><span style="font-size:100%;">Full of grace<br /></span><span style="font-size:100%;">Savior of<br /></span><span style="font-size:100%;">Human race"<br /></span><span style="font-size:100%;">Morrison<br /></span></div></div><br />De que te serviriam as noventa e oito mazelas na língua materna,<br />Se de tudo no fim não pudesse resgatar um lapso maligno numa redoma perolada?<br /><br />Se no final, mesmo que entre elefantes, o impossível não se descortinasse,<br />Se a pele não fosse transposta em transparência,<br />Se, à luz da vela, não sorrisse o negativo que atrai?<br /><br />Do inferno imortal das coisas,<br />Da irmandade infantil entre nós,<br />Dos sorrisos ferinos, das rasuras musculares, das fibras dos cabelos,<br />Se de tudo que fosse imortal e inacessível não pudéssemos arrancar um fio?<br /><br />Se de cada maré-morte não se retirasse um nado-sorriso,<br />Se da dor e do grito não restasse um todo-tudo?<br /><br />De que serviriam a nós as garras e os gigantes?<br />Os pés sujos a restaurar a enfermidade,<br />De que nos serviriam os amores e os cristos nus em cruz?<br /><br />Desce novamente e se ausenta.<br />Ao inferno mais baixo que o mar,<br />Às impronúncias mais caladas que o sol,<br />Mais brancas que o deserto,<br />Mais negras e renegadas que a tua amada África escondida e secreta.<br /><br />Desce novamente e bebe o verde e o azul e o amarelo e o negro.<br /><br />Pois não nos serviria de nada um nome sublime e um tato amargo,<br />Se de tudo, no fim, mesmo que entre os pássaros, não pudéssemos reconhecer Grandeza e Amplitude em cada pedra.<br /><br />Não nos serviria de nada.<br /><br />De que nos valeria, então, a morte?<br />De que nos valeria diante da magnificência perdulária dos astros e dos dias no Deserto-Nada.<br /><br />Somos, eu e tu,<br />Irmãos.<br /><br />Tito de AndréaHorlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-76393966506695961752009-11-25T17:33:00.000-08:002009-11-25T17:34:04.655-08:00Cotidiana VMário andava apressado quando viu um cachorro atropelado e virou poeta.Horlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-29372005.post-68692140981062020632009-11-17T14:31:00.000-08:002009-11-17T17:10:29.575-08:00SalinaÀ luz do que não existe<br />Estou cansado e escrevo.<br /><br />Procuro exaltar de alguma forma o nada que se entorna<br />O branco que se esbalda<br />O vazio que se desanda<br />Com gosto de queimado e cheiro de solar<br /><br />Procuro o mar do sabor no rio do peito<br />Nos cantos da sereia que se esvazia<br />Nos prantos<br />Nos pratos<br />Nos ratos<br />No tato<br />No ato<br />No tu<br /><br />Sempre nu<br />Sempre<br />Sem<br />Pé<br />Nem<br />...<br /><br />Nada<br /><br />À luz do que não chora<br />Do que não chove<br />Do que não move<br />Nem morre<br />Nem sorve<br />Nem quente<br />Nem...<br /><br />Eu sento e escrevo<br />E escuto<br />E anulo<br />E anfíbio me afogo num deserto.<br /><br />Ar demais, Senhor!<br />Ar demais, Senhor!<br /><br />Deu-me pulmões semáforo<br />Deu-me árvores fuligem<br />Deu-me nadas repletos de sol<br />Deu-me coisas demais, Senhor<br /><br />E não sou capaz, Senhor<br /><br />Não olhe para mim que não posso retribuir<br />Que já cansei dizer que não transformo em ouro<br /><br />Outro.<br /><br />Sem pano<br />Pranto<br />Pra quê?<br /><br />Sem ser<br />Só<br />Sol<br />Salino<br /><br />Sem ver<br />Vir e ir<br />Sentir<br /><br />É ar demais, Senhor<br />Os peixes se destroem, Senhor<br />O pão abolorece na barriga, Senhor<br />O vinho se vomita, Senhor<br />Tem eu demais em mim, Senhor<br />Tem eu demais em tudo, Senhor<br />Tem tudo demais em mim, Senhor<br />Será que não há resto?<br /><br />Respeito?<br />Senso?<br />Ridículo?<br />Problema?<br />Família?<br />Fonema?<br />Lingua?<br /><br />Onde estão os que disseram que seria agora?<br />Onde estão os que anunciaram...<br />Onde está, Senhor?<br /><br />Só sol.<br /><br />Só sol e sal.<br /><br />E só.<br /><br />Hoje me apareceu em forma de dor uma vida inteira e enviei para dentro de uma caravana um pesadelo onde o amor morria.<br /><br />Um pacote lacrado cheio de fezes e pedaços de mim.<br />Um poema cheio de leite.<br />Baldes e baldes de brancura sem gosto.<br /><br />Abre os olhos,<br />Contempla o templo<br />O ar que anseia<br />O asno que anseia<br />O anus que...<br /><br />Tudo que<br />Sobra<br />É<br />Demais.<br /><br />Só sal e solidão<br />Me amem também,<br /><br />Amém<br />(como sempre.<br /><br /><br />Parentese aberto e reticencia sem fim eu vou<br /><br />..<br /><br /><br /><br />Tito de AndréaHorlahttp://www.blogger.com/profile/03511566239329753058noreply@blogger.com1