sábado, setembro 16, 2006

Santa Maria

Meia noite Maria acorda. Tem doze anos, pernas finas, peitos pequenos, cabelos curtos e olhos sujos. Vai ao banheiro, se lava rápido, está atrasada. Na pressa de maquiar-se, com medo de acordar seus pais e de que vejam que ainda está em casa, Maria fere o olho e chora baixinho, como sempre teve de fazer.
Maria, e ironicamente deram-lhe o nome da Virgem, desce a avenida, de maquiagem borrada, boca seca e barriga vazia. Desce à avenida, ao encontro de suas amigas-rivais, que dividem ombros e histórias e disputam o ponto. Maria, ao contrário da Virgem, é puta.
A noite é fria, e ela não pode se agasalhar direito, usa apenas o mesmo vestido sujo de todo tipo de coisas. O mesmo vestido que ela ardorosamente lava nas manhãs e reza para que esteja seco à noite. O mesmo vestido que lhe fora dado pela avó, que outrora era cor-de-rosa e que agora é branco.
As primeiras horas da noite passam devagar, Maria treme, com seu perfume barato cheirando a paraíso barato, sempre parece assustada, o primeiro cliente aparece. Sorri a ela sem trocar palavras ela entra no quarto. Calada Maria pensa em suas noites na alcova suada, nos sujos e fedorentos caminhoneiros, no amor que sempre teve de dar, mas que nunca teve de volta.
Maria se veste depressa enquanto o velho, ainda nu, procura a carteira na penumbra da luz vermelha.
- Não tenho vinte, só quinze. - Mas... - Mas é o caralho! Uma puta que nem você só merece quinze, não sabe nem foder direito. - Mas...
Maria nunca soube discutir. Sempre foi fraquinha e magrinha, e sempre no segundo “mas” eles lhe batiam, não havia de ser diferente. Ela cai no chão e não chora, apanha o dinheiro e sai, enquanto seu satisfeito amante se veste sorrindo.
Por volta dos quinto cliente, Maria não se agüenta de fome, pega dois reais e come um sanduíche velho, com algo que ira lhe doer na barriga, mas ninguém se importa muito, nem mesmo ela.
A noite continua passando, e junto a ela os amantes de Maria: o taxista, o empresário, o policial que não paga, pois pode prende-la, um homem solitário que não agüenta a esposa, os velhos, o padre... Maria tem de ouvir, de sentir e se doar. Maria é puta.
Ao amanhecer, Maria de vestido amarrotado e sujo volta à casa de seus pais. Volta rezando e pensando. Sente que carrega o peso do mundo entre suas pernas doloridas. Sente que é depósito de todos, dos medos dos outros, das dores dos outros, do vício dos outros. Maria é porto seguro para os doentes da noite, seus amantes, seus pais... Maria reza e pensa, e por fim descobre que não é diferente da Virgem.

Tito de Andréa

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Hum, muito bom mesmo, e realmente a proposta é boa.

Abraços,

2:42 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Adorei, esse podia ter sido mais longo, mas achei perfeito o raciocínio comparativo...até falei pra você que me lembrou um pouco de Macabéa...
Te adoro, beijão.

8:09 PM  

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