sábado, outubro 07, 2006

Irmandade

Não sei o que é dormir ou estar acordado, em tal condição, envolto em um liquido estranho, me alimentando de restos, comendo e remoendo a minha vida. Não sei o que é ver, já que meus olhos são fetais, meu tato apenas conhece o toque comum do plasma, minha pele é minha boca e minha boca é como um buraco negro. Nada em mim.
Não sei. Não saber sempre fez parte de mim. Amar e odiar sempre fez parte de mim. Um universo franzino. Um semi-cérebro. Em minha carne que decidi chamar de podre, não encontro conforto. Tenho em mim um ardor de uma vida que poderia ser; e odeio a todos os anos que passei nesse ventre, e imagino, será que teria eu, sido feliz?
Não quero me prender a uma pergunta respondida. Não quero compreender nada, já que sou feito de um ódio humano. Humano? Bondade minha crer-me humano, sou uma pré-evolução, um estado quase. Um estar sempre quase. Odeio a meu irmão e sua vida completa. Odeio-o e é por isso que decidi viver sempre. Decidi estar em seu lado, em suas entranhas, decidi ser este parasita vivo e pulsante. Sou o resultado errado de uma gestação que cansei de amaldiçoar. E amaldiçôo aquela mulher imunda, e seu ventre oco. Nunca tive seu amor. Nunca tive amor algum, nenhum amor além do amor que recebi do liquido que envolve minha sub-pele enrugada. Não me importo. Apenas odeio.
Não tive dias nem noites, não sei do que se trata. Meu tempo é uma constante eterna. Mas sei quando o mestre – é assim que decidi chamar meu irmão maior e humano – está dormindo, sei quando está comendo e sei o que pensa. Seus pensamentos ecoam por todo o corpo e entre uma batida de seu barulhento coração e seu estrondoso pensamento, posso me conter entre os meus. Meu cérebro é tão pequeno que tive de criar um universo para pensar.
Não. Não, é a única palavra que aprendi, e sei que ele me ouve quando sussurro dentro dele: “não” “não” “não”. Sei que ele me sente em suas tripas. Sei que ele me odeia assim como eu a ele. Sei que ele espera ser-me assim como espero sê-lo. Por que ele não morre e me salva?

Tito de Andréa

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