sexta-feira, outubro 19, 2007

Fragmentar

Levanta, vai até a janela, toca o vidro, olha para baixo e o homem gordo e descamisado ainda está lá sentado olhando os cães brigando.
Sentado em sua eterna e imutável cadeira de rodas, pois tem as pernas amputadas na altura dos joelhos, e eu nunca pude nem quis saber o porque.

Morde os lábios enquanto vira para dentro de volta para longe dos devaneios que o homem sem pernas e de olhos focados em cães que brigam quando deveriam estar guardando o terreno; entreter o dono.

Anda pelo corredor que um dia esteve em sonhos estranhos de tiroteios e gatos baleados, e afasta com a mão a névoa de tempo que se forma ao redor.

Senta-se e coloca as mãos na cabeça e os cotovelos nos joelhos.
Tenta colocar em ordem o mundo que se partiu em vinte mil.
Tenta reagrupar os pedaços do espelho torto que antes era a vida e que agora não é mais nada além de um monte de cães brigando e velhos sem joelhos rindo em voz alta e apontando e fragmentando a verdade em tudo que poderia ser.

Senta e tenta converter de volta o que era dele de direito, mas agora não mais.

Agora é dos cães, do velho, dos joelhos...

Tito de Andréa

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