domingo, julho 22, 2007

Ex-quizofrenia.

Júlia se agarra a mim.
Me aperta o peito com tamanha força que mal consigo respirar.
Júlia se comprime contra meu corpo de modo que eu não sei onde termino e Júlia começa. Não há fronteiras. Somos um só no medo de Júlia.
Júlia se comprime ao meu ser. E eu? Júlia me força a comprimir meu corpo contra a fria e metálica parede verde-escura. E todo meu corpo se arrepia com esse contato. E todo meu eu se espreme para um centro desconhecido.
E comprimido em um centro só. No centro da minha caixa torácica, entre um peito e outro, sinto o sol.

Compreendo agora, que todo o universo se gerou assim.
Quando todo o ser de Deus se comprimiu em um único ponto de si e a matéria morta da qual Deus é feito viveu.
O Big Bang.
Mas o que teria feito que Ele esquecesse de si de tal forma?
Deus permitiu-se um erro enfim.
Permitindo que todo seu corpo convergi-se em uma explosão geradora de vida.
Deus então passou de morte para vida.
E sabemos todos que não se pode viver assim.
Sabemos então que Deus somos todos nós.
Sabemos então que tendo Deus obrigado-se a errar para poder enfim renascer em forma de vida pulsante teve seu eu dividido de forma tal que, não sendo mais, não o é. E somos nós, o túmulo dos restos vivos Dele.

Mas não há tempo para lápides nem epitáfios crus.
Júlia se aperta a mim e minhas costas nuas se apertam à parede verde-escura.
Júlia preenche com sua respiração de feto natimorto o espaço vazio entre mim e o resto do mundo.
Pois já não estou em meus olhos nem na ponta de meus dedos, que era da forma como eu costumava me enxergar. Estou agora encerrado em um pesadelo cardiovascular e quero explodir para poder recriar tudo que vi.
Não há tempo para mim, nem para Júlia.
Sinto que vou vomitar.

Agora sentado no chão do banheiro abraçado à privada, sinto meu estômago aliviar-se de mim e posso encarar a verdadeira forma de meus pensamentos pré-digeridos.
Júlia tem as costas encostadas à porta e os pés esquizofrenicamente parados.
Minhas pernas fazem um ângulo estranho e de repente doem.
Levanto-me sem ajuda.

Júlia fica de olhos abertos me encarando e imaginando como pude fazer isso com ela.
Não sei o que ela acha que eu fiz.
Sou o próximo a ser fuzilado. Sou eu o morto-vivo-vivo. Júlia não compreende que foi ela quem destruiu aos dois.
Júlia não sabe que não existe.
Júlia acha que sou eu, não ela o produto final de uma esquizofrenia simples.
Júlia levanta e se lança aos meus pés e me encara perguntando a si mesma como eu pude fazer isso com ela.
Júlia não sabe o universo que começa a se expandir no meu peito.
Júlia não sabe a razão nova que brota da morte que nasce.

Pois se de um único erro de Deus, uma distração simples de um momento em que Ele permitiu ser compactado em um único e aluminoso Ponto.
Se Ele me visse agora saberia que a verdade é que somos todos produtos vivos de uma verdade muito menor.
Teria Ele imaginado que tudo se repetiria?
Teria Ele imaginado que Eu saberia o que ele sentiu?
- Pois és minha imagem e semelhança Filho.
- Vai e carrega o peso que eu carreguei...

- E agora então? - Júlia - ainda atirada aos meus pés - finalmente fala algo.
Mas me surpreendo ao notar que a voz que fala é a minha. E fico parado encarando o sorriso morto em Júlia.
Ela enfiou essas palavras tão rápido em minha boca que, eu, não pude pensar antes de dizê-las. - E agora então - Repete com a minha voz.

Saio só do banheiro.

Mas logo estou sentindo os braços de Júlia entrelaçando-se ao meu corpo.
Júlia é fria.
Júlia entra em mim e vai ao centro de mim para fazer sua morada.
Júlia agora em forma de sangue percorre todo meu corpo.
Júlia encontra o que procurava e infecta com vida toda a morte contida em meu ponto divino que quase me rompe.
Júlia ri-se de mim dentro de mim.
E minha recém contaminada morte se enche de vida e estoura.

Foi isso que Deus sentiu.
Foi isso que o Universo sentiu.
Agora serei eu a abandonar a todos em uma nova explosão de ainda mais luz.
Para iluminar ainda mais o céu.
Eu e Júlia.
Um só.
Eu, Júlia e nossa nova construção metafísica.

E foi isso que Eu senti.

Tito de Andréa

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