segunda-feira, julho 16, 2007

Sangue de Areia Espumante.

Sento e me apoio à parca sombra de meu fardo e me pergunto como algo tão pesado consegue ter uma sombra tão mirrada. Seca e quente. Ainda sentado tento lembrar-me do frescor da água para matar minha sede e mastigo um punhado de ervas que encontro crescendo em qualquer monte mais vivo de areia.

Como venta aqui.

Em todo lugar em que eu via desertos, não me falaram que ventaria tanto.
Sempre imaginei longas planícies de areia móvel e um grande sol amarelo. O sol é real. O sol não é invenção. Dói-me na pele e nos olhos. O sol é grande e visceral. Feito todo de um ódio incomum. O céu é mais claro aqui. Um azul cansado; amarelado.
O céu e a areia parecem em si um céu e um mar malditos.
Infernal.
E como venta aqui.
Em todo lugar em que eu via desertos, nunca mencionaram o vento.
Mentiram-me.
Há sol, areia e vento.
E como venta.
E o vento corta.

O vento é meu capataz. Ele me diz quando levantar e quando carregar a âncora. E ele bate em minhas costas dizendo que acabou o descanso e é hora de erguê-la e voltar a andar.

Essa âncora, e agora que começo a falar dela parece-me ser muito mais pesada do que é - Se ao menos parasse de ventar eu a deitaria fora por alguns instantes mais - Mas não pára.

Não parará.

Essa âncora é a sobra de meu navio.
É o despojo de meu naufrágio.
É o resto de mim.
É em mim. Parte.

Visto que atei a ancora a mim a muito tempo e agora já a tarde para tecer redes de lamúria.
Agora é tarde parar arder e desistir.
Visto que me conhecendo e sabendo que desistiria atei a âncora ao meu pescoço com o mais complicado dos nós que conheci. E agora só tenho a glória da férrea e forte âncora.
E não sou eu quem a carrega. É ela a carregar-me. É ela a ser vitoriosa.
Assim como foi a cruz quem carregou Cristo, e assim como foi a cruz desse tal Cristo quem o venceu por fim. Visto que a âncora é meu último e verdadeiro amor, Carrego-a como a uma esposa cansada.
Meu amor, o Deserto é nosso quarto.
E essa noite que se estende nossa eterna e voluptuosa lua-de-mel.
Abraça-me.

Visto que sou como um novo Prometeu atado de vontade própria a uma montanha e, que despedacei meu pássaro inquisidor na primeira noite de castigo, sou livre pára caminhar e correr com minha montanha atada.
Sou livre e trágico.
Sou o novo e poderoso Titã.

Mas tenho sede.
E a simples idéia de água já me leva para longe.
Para meus dias de glória santificada.
Da caça das baleias nas costas japonesas.
Da pilhagem nos mares ingleses.
Do tráfico de negros na África.
Açúcar holandês e sangue caribenho.
- Ah, Meu Deus.
- Ah, Meu Deus! Porque me larga a essa infeliz sorte. Porque a fortuna não mais me sorri e eu só tenho para mim um pálido céu.
- Ah, Meu Deus, por que não apenas mais uma tempestade, para que eu tenha, dos dias de luta no mar, apenas uma lembrança?
- Por que não uma tempestade final? Uma tormenta!
- Meu Deus! Faz de mim teu novo Noé! Dá-me um dilúvio, mesmo sem barco. Deixa-me dançar e me despedaçar em teus braços de polvo abrasador. Deixa-me dar fim a essa âncora. Dá-me ao menos teu tridente furioso para carregar.

- Deus, sou eu, o filho do faroleiro. Sou eu o rebento do solitário, lembra-Te de mim!
A mim cabe o fardo final de carregar a âncora pelos sete desertos.
E carrego-a a tanto tempo que nem mais sei qual o gosto das águas marinhas.

Minha boca seca.
Nem ao menos tivesse água salgada para beber.
Ao menos teria uma morte real.
A primeira coisa que meu pai me ensinou quando naufragamos juntos.
Nunca beba a água do mar, menino.

Bebê-la-ia para morrer como bom velho louco, atingido pela febre do mar que sou!
Sou!
Se há algo que ainda tenho em minha carne: é a febre.
Minhas gengivas sangraram milhares de vezes. Meus dentes caíram e tornaram a crescer para cair de novo.

Ah, mas tenho atada as minhas costas com um indesatável nó uma imensa âncora de navio.
E carrego-a até onde devo.
Arrastar-me-ei quando não houver mais força.
E beberei a água que minha boca baba.
E essa água deve me levar de volta ao mar.
Nem que seja breve como a saliva.
- Ah, Meu Deus, não me negue! Abre teus braços e recebe-me. A mim e a âncora. Porque se ela não me arrasta ao inferno. Arrasto-a eu até lá.

- E tendo ele desmaiado, não sentiu a primeira gota de chuva que caiu em sua mais funda feria. Nem a segunda.
Ah, mas me contaram que as tempestades no deserto são imensas. E ele deve saber, porque estava atado à uma âncora quando desabou-se o céu e não sentiu nada.
E logo a chuva formou um salgado mar e o corpo dele dançou e despedaçou-se.
E morreu sem muito sangue no corpo ou fora dele.
E já não mais sentia sede.

Tito de Andréa

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Ser chamado de foda, pelo O foda:


Não tem preço.

11:18 AM  

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