sexta-feira, janeiro 30, 2009

Planície

Um qualquer-coisa-que-seja e sirva de mesa e banquete agora que a hora é pouca e a boca é muita e os olhos não sentem mais o que o peito vê.
Qualquer nada sedento que salive e santifique o que não quer sentir nem sangrar.

Há ainda uma casa salva para os que deitaram fora as flores que brotavam no sangue?
Há ainda terra santa para aqueles que desataram os nós que prendem seus nomes aos corpos e dançaram nus de alma exposta e sexo impudico?
Há lugar para sangue que nunca coagula?
Há cortes o bastante para tanto sangue-que-nunca?

Há lugar para mim fora da pérola que prometeram, mas que nunca cumpriram?

Desfazer os gestos de prisão que me encarceraram aqui.
Engolir – junto com teu choro – as palavras e as letras.
Engolir a língua e a fala e danar-se com o mundo, que já cansei de perversão de homem e quero mudar de novo.

Engolir a língua e falar apenas para dentro até esquecer de falar para dentro e poder ser só.

Só saber ser só.
Como nem a sombra sabe ser.

Porque não me foi dado muito resto de mundo para sujar de carne e esperma.
Não me foi dado coração o bastante para bater-se e debater-me.
Não me foi dado o direito de convulsionar o corpo projetando-me para cima, mordendo a boca, mastigando os dentes e levando choques.

Só tenho suor e ácido.
E é pouco para o que eu prometo.

E é pouco para o que eu quero.
É pouco

Ainda há tempo e me restam dias.
Me restam dias, mas não tenho onde.
Não tenho onde, pois estava fechado com chave-que-não-me-deram o castelo que deixaram para mim.
Estou fora, tenho frio e fome e escuto vozes
Há festa dentro, mas não sou da família,
Não sou um deles, não falamos a mesma língua nem nos curvamos ao mesmo Deus.

Não estou seguro aqui.
Algo-eu morrerá.

Ainda há tempo para buscar as pétalas esmagadas entre a pele e o osso.
O perfume da seiva.
A salvação do gozo-juizo-final.
Não é minha e não me pertence essa irmandade com os filhos e com as horas que eu vejo.
Não é meu nem me pertence aquele pecado de sangue que manchou meus dedos.

Esse eu que vivi-mas-não-queria.

Fardo crescente e pouco reconhecido.

Estou do lado de fora e amanhece, mas não reconheço sol.
Estou do lado de fora, mas não abraço dia nem chamo lar lugar algum.
E resta minha procura.

Um qualquer coisa que seja e sirva de fartura para aqueles ávidos que nunca encontram.

Bem-aventurados os pobres de espírito.

Tito de Andréa

1 Comentários:

Blogger D.lv disse...

Tito, isso foi demais ;-;
Demais mesmo.
Lireli.

3:41 PM  

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