sábado, dezembro 23, 2006

Reencarnaceirado

O martelo bate... Bate... Bate... Minha cabeça lateja. Meus dedos tremem. Minhas mãos se fecham, meus olhos ardem. O martelo bate e eu me afogo.
- Levem-no para a cela, e façam-no pagar.
Não sei do que fui acusado. Não imagino o que me aguarda no mundo velho e feito de pedra para o qual me arrastam. Não sou culpado. Não sou culpado. Não sou culpado.
- Toma as paredes e faz delas amigas.
- Toma a grade e faz dela irmã.
- Toma a janela e dela tenha medo.
- Esse sol que vê. Esse sol que ama. Esse amor que come. Vai te matar.
Não sou culpado. Não sou culpado. Não sou... Não...
Sou.
Me disseram que aqui era onde o mundo virava de costas. Mas quem come terra sou eu. Quem anda de cabeça para baixo sou eu. Tenho oito patas e doze olhos. Tenho mil pelos e trinta unhas, Tenho dezenas de antenas e só uma pele. Setenta bocas e quarenta línguas. Aquele lá sou eu. Não sou culpado.
- Toma esse veneno.
- Toma essa cela.
- Toma meu mundo para ti.
Não queria nada que não fosse meu. Não queria nada... Não tenho nada. Queria só um pouco de ar para respirar. Um pouco de qualquer coisa para ser. Uma cela.
Não.
Não sou.
Sou inconsciente.
Inocente.
- Tranquem-no e não me façam ouvir seus gritos.
Gritos. Gritos. Gritos. Gritos.
Minha fala é esquizofrenia. Minha sala é demência. Loucura não.
Perdição.
- Cortem-lhe as unhas, e calem-me as vozes.
Levem-me as vozes.
Leve-me às vozes.
Tragam-me de lá...
Dormir e redormir e redobrar o sonho. O sono. O sonâmbulo que anda em mim. O trem que corre em minhas veias. A britadeira que fura meus olhos. A carne que entra em meus dentes. O ácido que escorre de minha saudável ferida.
Meu trapo está velho e sujo de pus.
Minha roupa está seca. Sangue seco. Coágulo vivo. Vivente. Penitente.
Vinte mil rezas para oitenta mil santos.
Um terço universal de mil anos.
- Dêem-lhe comida e algo para viver.
- Uma corda para amarrar a garganta, mas nada para se pendurar.
- Dêem-lhe o que não queria, e tirem o que não ama.
Não sou culpado. Não acredito em redenção.
Só acredito nas pedras em meu estomago e nos estômagos em meus rins.
Só acredito em morte e em vida antes de mim.
Só vejo cores. Nada de formar.
- Tirem-lhe o que não ama.
- Atirem-no.
Fogo.
O martelo bate. Amém.

Tito de Andréa

2 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

=D
Muito bom o texto gostei mais desse!

Beijo!

10:59 AM  
Anonymous Anônimo disse...

oO

Tito,
você manda bem, hein?
muito bom mesmo Oo

6:48 AM  

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