domingo, janeiro 07, 2007

Prometeusdias

Comeram-me os olhos, o fígado e os rins. Esmagaram dedos e joelhos. Pele e pêlos. Unhas.
Cobriram-me com nudez e tiraram de mim a venda. Estava nu e humano. Estava homem diante de Deus e Ele me viu vivo. Ele me viu pulsante e sedento. Fome, sede e sangue.
Abriram cortinas e deram-me frutas, carne e calor. Fogo e alma. Ferro e medo. Abriram as cortinas e me deram o que não havia pedido, e me deram mais e mais até qu'eu sedento daquilo que não amava caí e me atei à terra.
Fizeram-me homem, pobre e espírito. Carne e pudor. Podre.
Cobriram-me com palavras e me colocaram diante do juiz. Juiz-vítima-culpado. Carrasco. Ladrão.
Saudo ao executor.
Vivendo a carnificina de meu sangue, a lepra de meus olhos comidos. Vivendo a vida do machado, que segura minha pele. E me chama pelo nome.
Vivo.
Indo e vindo.
Pois vim para ser.
Vencido.
Já que um pássaro negro bicou meus órgãos e amaciou minha carne para as feras. O homem nu e bestial se ergue. Eu me ergo. Sujo de vida e de sonhos. Liquido amniótico da morte. Já que um urso arrancou minhas mãos e pés só resta-me a fala. E falo. Falo e grito e perco a voz.
Comeram minha humanidade animal e o que me resta ser?
Servido.
Sirvo ao servo.
Não ouso gritar, nem falar. Não. Não hoje, não hoje que é o dia de nosso Senhor.
Aponto com o osso que sobrou de meus dedos, e vejo a montanha que se ergue do mar.
Subo ao monte para olhar nos olhos do sol. Degenero a evolução e salto.
Estava nu ao ver que via.
Eram pássaros os monstros que me atormentavam a vida.
Era a morte aquilo que jazia no túmulo de meus pais.
Sou eu o corpo enforcado no armário.
Ego. Homem.
Adão o homem-fogo-perdido, Eva.
Acabam os Deuses e sobram apenas ossos para mim.
Onde estava quando arrancaram-lhe a cabeça, monsenhor?

Tito de Andréa

1 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Eu ainda tinha esperança de um final feliz =/
mas...
sim sim, o texto é bom.

Odeio você assim como odeio a Clara.

12:52 PM  

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