segunda-feira, janeiro 15, 2007

O baleeiro

O sol queimou-lhe a pele, as pedras feriram-lhe os pés, e a areia misturou-se ao pouco sangue. A praia estava manchada, e não era só o caçador de baleias quem estava perdido, o vermelho bruto e escuro no mar, e os pedaços de madeira molhada.
Há carne para uma vida e sal para dois dias.
Fogo para o inferno e madeira para duas noites.
Ele tremia de febre e ódio.
Monstro marinho abominável e grotesco. O homem vespa de arpão na mão e barco na terra.
Comer o óleo e beber a banha.
Frio? É a tua verdade que se encerra entre um nascer e uma pontada nas costas, o respirar lento e residual de um submarino de carne. Eu vejo seus olhos enquanto os outros olhos morrem, eu vejo os dois e sei quem vive no fim.
Já está mais morto.
Sua vista seca e sua pele é salgada, só ouve ondas e gemidos. Maldição.
Perdido nessa terra de meu Deus.
A peste das ilhas invade seu sangue e os Deuses adivinos no mar nadam e cantam.
O homem unicórnio com seu chifre erguido e atirado ao mar. Morre solidão.

Se de todos esses dias em um eu pudesse voltar ao mar.
Se de toda essa vida em uma eu pudesse matar novamente.
Quero de novo o sangue gelado na água quente.
Quero os olhos, a língua e as tripas.
A carcaça e a banha.
Vou para a África matar elefantes, no inicio do verão.
Vou destroçar girafas; cortar rinocerontes, traficar escravos e vender armas.
Sinto o ar em meus dedos e sinto falta da água.
Já que estou encalhado aqui. Morre, solitário.

O sol queimou-lhe a pele, e vista e o horizonte.
Observo-o por dias e ele apenas olha o mar, em busca de uma mancha qualquer.
Havia vida por toda vida, mas nadou para longe.
Carne, sangue e banha.
O caçador de baleia se aposenta.
Naufragado, ilhado e doente.
A febre do mar.
As baleias em nado.
Todo ouro vermelho, verde e branco daqueles demônios azuis.

Só me resta.
À forca

Tito de Andréa.

domingo, janeiro 07, 2007

Prometeusdias

Comeram-me os olhos, o fígado e os rins. Esmagaram dedos e joelhos. Pele e pêlos. Unhas.
Cobriram-me com nudez e tiraram de mim a venda. Estava nu e humano. Estava homem diante de Deus e Ele me viu vivo. Ele me viu pulsante e sedento. Fome, sede e sangue.
Abriram cortinas e deram-me frutas, carne e calor. Fogo e alma. Ferro e medo. Abriram as cortinas e me deram o que não havia pedido, e me deram mais e mais até qu'eu sedento daquilo que não amava caí e me atei à terra.
Fizeram-me homem, pobre e espírito. Carne e pudor. Podre.
Cobriram-me com palavras e me colocaram diante do juiz. Juiz-vítima-culpado. Carrasco. Ladrão.
Saudo ao executor.
Vivendo a carnificina de meu sangue, a lepra de meus olhos comidos. Vivendo a vida do machado, que segura minha pele. E me chama pelo nome.
Vivo.
Indo e vindo.
Pois vim para ser.
Vencido.
Já que um pássaro negro bicou meus órgãos e amaciou minha carne para as feras. O homem nu e bestial se ergue. Eu me ergo. Sujo de vida e de sonhos. Liquido amniótico da morte. Já que um urso arrancou minhas mãos e pés só resta-me a fala. E falo. Falo e grito e perco a voz.
Comeram minha humanidade animal e o que me resta ser?
Servido.
Sirvo ao servo.
Não ouso gritar, nem falar. Não. Não hoje, não hoje que é o dia de nosso Senhor.
Aponto com o osso que sobrou de meus dedos, e vejo a montanha que se ergue do mar.
Subo ao monte para olhar nos olhos do sol. Degenero a evolução e salto.
Estava nu ao ver que via.
Eram pássaros os monstros que me atormentavam a vida.
Era a morte aquilo que jazia no túmulo de meus pais.
Sou eu o corpo enforcado no armário.
Ego. Homem.
Adão o homem-fogo-perdido, Eva.
Acabam os Deuses e sobram apenas ossos para mim.
Onde estava quando arrancaram-lhe a cabeça, monsenhor?

Tito de Andréa