sexta-feira, outubro 27, 2006

Micro-poemas.

Liberdade

Viver liberta, mas
só a morte
Salva.


Vini
Vim, vi
Vinvi
Vivi, para ser
Vencido.

Escrever-me-ei

Em teus olhos
Hei de me ver,
Em salto pleno,
Pleno vôo
para o chão.

Dentes Azuis

A China
Me chama
Ao ópio

Poeticar

Transbordo de palavras
Como um copo
Que sonha ter água


To Be

Ser
é ver
vi
vido

Poesia

Comer vidro,
Sangrar aço,
Chorar pedra,
Cheirar espinhos.

Tito.

quinta-feira, outubro 19, 2006

Luto

Há um luto amargo engasgado em minhas entranhas,
Um luto negro e doloroso,
Eu olho para fora e vejo que toda a terra se escurece,
Eu vejo os filhos,
Os pais, irmãos e mulheres,
E todos eles morrem também.

Há um luto por tudo que vive, em mim
Um luto escuro e espesso,
Há um véu que tapa meus olhos,
E eu olho para tudo e não consigo ver nada mais que morte...

Há vida presa nas árvores,
Mas eu olho para fora, pela janela
e as árvores apenas mostram suas raízes,
Árvores reversas...

Há um luto em tudo que vive,
E tudo que vive escurece.
Em mim há um luto seco
Um luto leve,
Um luto que é como uma lágrima.
Preso.

Há um luto amarrado à vida,
E ele me ata pelos pés e me diz que não.
Há um luto em meus olhos e tudo que vejo morre,
Tudo morre em mim...
Toda vida se espalha em pedaços que não encontro.
Toda vida se vai pelos cantos e fica presa nas raízes que encontra.

Há um luto no som,
Um luto imutável nas cores,
Há um luto no céu,
Eu olho para esse tal céu e ele não chora.
O céu se contorce de dor, muda de cor...
O céu sou eu.

Há um luto eterno em minha cama,
Um luto em meu silêncio
Meus travesseiros velam um luto,
Minhas mãos rezam um silencioso terço
Minha boca reza uma reza velha, que nunca aprendi...
Rezas silenciosas do corpo...
Há um luto no corpo.

Há um luto que arde no mar,
Um luto frio e comestível,
Um luto com gosto de sangue,
Um luto só.
Há um luto em mim...

Há um luto na escuridão...
Um luto todo feito de luz...
Há um luto em minha boca,
Eu tento gritar, mas tudo que eu digo é morte...
Eu tenho de andar, mas há um luto em meus pés,
Será que também eles fazem sua reza?

Há um luto vicioso em meus elefantes.
Um luto cinza e africano.
Um luto dançante e caótico...
Um luto católico.

Há um luto na lua,
Eu procuro a lua no céu, mas apenas há o sol...
Há um luto no sol,
Um luto quente e fervoroso,
Será que também ele faz sua reza?
Será que também ele, vê sua morte?

Há um luto nas estrelas e planetas,
Um luto universal e intenso,
Um luto feito de folhas de relva,
Um luto todo novo. Inovador.
Busco em meu luto palavras novas, busco e nelas não encontro nada.

Há um luto nas palavras,
Um luto vibrante...
Mas isso apenas entendem os mudos,
E também eles fazem sua reza.

Há um luto nas cruzes e credos,
Um luto calado e fiel,
Um luto metálico e cortante,
Há um luto nas espadas e nos padres.

Há um luto lá fora,
Um luto que festivo entra em meu quarto e em mim.
Há um luto em mim, e em ti, e em nós...
Somos um luto novo.
E também em nós, há uma nova reza.

terça-feira, outubro 10, 2006

Doar

Ela olhava para mim? Não, nem por um instante ela me olhou, nem por um instante seus brancos olhos negros me olharam. Ela mantinha-os quietos, como dois cães a quem amava. Ela os acariciava com sua tristeza. Não olhou para mim nem uma vez.
Mas eu ousei olha-la, ousei encarar seus dentes poucos, sua pele velha e enrugada, seus cabelos desgrenhados e brancos – porém desgrenhados numa notável organização de gente velha e triste. –. Eu olhei em seus olhos. Estendi minha mão e entrei em seu medo, penetrei em seus sonhos. Comi com as mãos cada um de seus temores, e tudo que ganhei foi uma terrível frieza.
Ela era fria. Era uma velha morta, morta em vida, esquecida. Era uma velha demente, calada e sofrida. Ela era a verdade dos tempos, e eu olhei em seus olhos. Nem ao menos tive meus olhares retribuídos. Ela não me olhou.
Só te digo isso para que entenda meus olhos fechados. O que ganhei ali não me permite abri-los, não me permite encarar mais alguém. Não tenho vontade de perder o que tenho agora. Abriria meus olhos apenas para ela, mas nada valeria.
Ela me ensinou a rir. Ela me ensinou tudo sobre a vida, ensinou-me tudo sem ao menos olhar-me. Cinco minutos em sua franzina e mesquinha companhia e ela me mostrou o mundo. Ela me mostrou as moscas – que mais tarde me adotaram como pai – Ela me mostrou uma nova forma de morrer.

Abre os olhos? É tudo que me diz? Então hei de rir, de ti e teus olhos abertos, teus olhos mortos. Rir de ti, e teus olhos mancos, teus olhos fracos, anêmicos. Fechei os olhos, pois neles está a ferida aberta, neles está o sangue do mundo. Minha carne podre. Neles guardo larvas de moscas, e neles sinto a vibração de uma vida que começa.
Sinto as moscas novas com suas asas crescendo em meus olhos. Abre os olhos. Abre a boca. Come. Bebe, baba. Em meus olhos está tatuada a humanidade em sua mais simples e feia vida. Em meu cemitério está enterrada toda a esperança. Em minha surdez calaram-se os gritos e em minha mudez eu vi morrer todas as palavras. E tudo isso foi ela quem me deu.
Maldita velha bruxa.
Ela me deu um ódio amoroso.
Cuspo no mundo. Cuspo um sangue conciso e vigoroso. Um sangue cheio de catarro. Minha hemorragia pulmonar. A fumaça da vida agarrou-se a meus cabelos, era feita de gente morta, uma velha morta. Era feita de merda e cabelos queimados. Cuspo meu sangue que tem mais doenças que sangue em si. Cuspo em teus olhos abertos. Em meus olhos fechados. Cuspo nela e em sua tristeza. Em meus olhos concentro a visão que tive. Concentro a morte que tive. Concentro mil moscas treinadas, que me trarão comida e leite. Dar-me-ão de sonhar. Conheço teus olhos abertos e teu mundo de luz. Cuspo em teu sol. O meu sol é muito mais real, ele é feito de mil bombas nucleares, meu sol é a tua terra. Cuspo em teus olhos abertos.
Cansei de ver tuas vistas, de sentir tuas paixões. Cansei de ser teus olhos abertos para um mundo que nem é meu nem teu - É dela. - Cansei de tuas palavras sadias, não quero saúde.
Deixa-me ser cego em meu mundo escuro, pois sempre quis ver o mundo sem a fina membrana da luz. Esse mundo engolir-me-á, e então serei mais um de seus filhos. Mas um filho vívido, pois em meus olhos – fechados – vive meu exercito.
Abrir os olhos. É tudo que sabe fazer. Abrir os olhos e verter lágrimas. Eu abri as cortinas da pele, abri a ferida purulenta, abri a carne, abri um olho em cada dedo. Meu tato é visão. Eu abri o mundo. Eu abri a vida. E nela depositei meus ovos.

Tito de Andréa

sábado, outubro 07, 2006

Irmandade

Não sei o que é dormir ou estar acordado, em tal condição, envolto em um liquido estranho, me alimentando de restos, comendo e remoendo a minha vida. Não sei o que é ver, já que meus olhos são fetais, meu tato apenas conhece o toque comum do plasma, minha pele é minha boca e minha boca é como um buraco negro. Nada em mim.
Não sei. Não saber sempre fez parte de mim. Amar e odiar sempre fez parte de mim. Um universo franzino. Um semi-cérebro. Em minha carne que decidi chamar de podre, não encontro conforto. Tenho em mim um ardor de uma vida que poderia ser; e odeio a todos os anos que passei nesse ventre, e imagino, será que teria eu, sido feliz?
Não quero me prender a uma pergunta respondida. Não quero compreender nada, já que sou feito de um ódio humano. Humano? Bondade minha crer-me humano, sou uma pré-evolução, um estado quase. Um estar sempre quase. Odeio a meu irmão e sua vida completa. Odeio-o e é por isso que decidi viver sempre. Decidi estar em seu lado, em suas entranhas, decidi ser este parasita vivo e pulsante. Sou o resultado errado de uma gestação que cansei de amaldiçoar. E amaldiçôo aquela mulher imunda, e seu ventre oco. Nunca tive seu amor. Nunca tive amor algum, nenhum amor além do amor que recebi do liquido que envolve minha sub-pele enrugada. Não me importo. Apenas odeio.
Não tive dias nem noites, não sei do que se trata. Meu tempo é uma constante eterna. Mas sei quando o mestre – é assim que decidi chamar meu irmão maior e humano – está dormindo, sei quando está comendo e sei o que pensa. Seus pensamentos ecoam por todo o corpo e entre uma batida de seu barulhento coração e seu estrondoso pensamento, posso me conter entre os meus. Meu cérebro é tão pequeno que tive de criar um universo para pensar.
Não. Não, é a única palavra que aprendi, e sei que ele me ouve quando sussurro dentro dele: “não” “não” “não”. Sei que ele me sente em suas tripas. Sei que ele me odeia assim como eu a ele. Sei que ele espera ser-me assim como espero sê-lo. Por que ele não morre e me salva?

Tito de Andréa

quinta-feira, outubro 05, 2006

Terras

Minha terra,
Aquela mãe velha,
Velha doida,
Minha terra perdida,
Mãe que nunca mais tive,
À terra que nunca vi.

A mãe louca,
Meu sangue demente, minha febre contente,
Minha terra em chamas,
Minha plantação em saliva verde, dos gafanhotos.

Meu rio,
Seco tal qual um pai dormente,
A terra quebra, o chão parte,
Minha lavoura seca, minha santa mãe morta.

A mão morta e enterrada,
As dívidas do tal pai que morreu,
(e dizem que por mim)
As dívidas que carrego em chagas,
Em um coração inchado e calado,
Em um coração de bicho
Minha terra está

Esteve.
Minha terra é passado,
Minha terra é cansaço,
Minha terra é a morte
E nela secou

O futuro

Tito de Andréa