domingo, julho 30, 2006

inDestino

Quero a leveza de uma pedra
Quando atirada ao longe,
O conforto da semente, que não cabe em si,
Quero o oriente do ocidente, que se acaba em contrário.

Quero o conforto de mesa de bar,
Sentar e falar do sofrimento dos mortos,
Sentar e saborear o sofrimento dos vivos,
Saborear a ácida ulcera na boca,
Saborear o ranger dos dias.

Quero a leveza de uma ave
Quando pousa cansada,
A leveza de um olho
Furado com uma faca quente,
Quero o conforto da faca quente,
Abraçada pelo olho...

Quero o conforto de uma vida curta,
Que não encontra velhice,
Que não definha sobre rodas,
Que não cai.

Quero ser a pedra em vôo,
A fala enquanto é pensamento,
O ocidente do oriente não existe,
Perdi alguma coisa por aqui...

Quero ser a vida que se passa,
Quero ser a mesa do bar,
O dono do bar,
O morto comentado.

Tito de Andréa

quarta-feira, julho 26, 2006

Sobre saber

Eu sempre soube,
Sempre soube,
Sempre soube saber,
Sempre soube que sabia,
Sempre soube que seria,
Uma eterna...
Despedida.

Tito de Andréa

quinta-feira, julho 20, 2006

E eu sempre quis ser uma dor de dentes

FERRO

Há dor apenas,
À dor apenas,
Todos os meus sonhos,
Todos os meus temores amados,
Toda a minha infância,
À dor apenas...

À dor...
Eu envio meus pés,
Que frios de morte tateiam o caminho,
Eu envio dedo por dedo para os martelos,
Eu envio minhas juntas ao ferreiro,
Que, com seus músculos cansados: corta o osso com o ferro,
E meus ossos são dor apenas...

À dor apenas...
Eu envio minhas fibras,
Meus coágulos,
Tudo é meu por direito,
O tremor,
A febre,
A alergia,
À dor!
Há dor
A mim!

Chamem as dores,
E digam que sempre as amei,
Que fui humano por elas,
E que sei!
Sei que fui amado,
Amado e por elas servido,
Fizeram de mim,
Menino-deus.

quarta-feira, julho 12, 2006

O luto sempre é belo

Syd


Vai.
Para as praias de teu coração,
Para pular com os pássaros,
Para ser de todas as cores,
De todas as cores que viu, com teus olhos doces...

Vai.
E vai para perto, não tão longe,
Vai para onde sabemos,
Para podermos te buscar,
Em nossos bolsos...

Vai.
Mas vai como um amigo,
Pois eu sei que foi cansativo,
E casando você se cansou...

Vai!
Mas não tão distante,
Vai no lombo de teu elefante,
E para tuas cidades tristes...

Vai.
Com quantos dedos quiser,
Ser vegetal,
Para ser extremo, apenas para ser extremo...

Vai.
Vai ser imortal como sempre foi,
Vai ser fraco como sempre quis,
Vai ser forte como sempre soube,
Vai ser pintura de homem, no quadro de Deus.

Tito de Andréa

sexta-feira, julho 07, 2006

Eu já não acredito em Newton

Acordo. Sento na cama, olho para os meus pés, me apoio nos joelhos e levanto, ando pelo quarto, estou de calças, dormi de calças. Não, nem dormi, passei a noite acordado, rolando, andando pelo quarto. Passei a noite acordando e pensando que dormia, apenas para pensar e lembrar que não estava dormindo. É noite.
Ando pelo quarto e preciso de um cigarro, mas não fumo. O que preciso é precisar de um cigarro, mas isso é apenas mais um pensamento. Não preciso de nada, preciso é dormir, deito. Acordo, acordo sem nem ter dormido, estou de calças, dormi de calças, sento na cama, olho para os meus pés, me apoio nos joelhos, levanto, acendo um cigarro, lembro que não fumo e apago o cigarro, penso que esqueci que não fumo. Acendo o cigarro, mas lembro que quero é dormir, apago o cigarro e deito. É tarde.
Acordo novamente. Sento na cama, olho para os meus pés, me apoio nos joelhos e levanto, estou de calças, sem camisa. Sinto frio. Fecho a janela. Ando pelo quarto e vejo que tem uma borboleta amarela na parede do quarto, olho para ela, sento na cama, e por um instante esqueço que preciso dormir, mas lembro do meu sono e deito. Durmo sem dormir por alguns minutos, quando lembro de acordar e acordo, ando pelo quarto, e lembro que esqueci de levantar da cama. Caio.
Acordo. Penso que finalmente dormi, mas ainda estou na cama, sento, olho para os meus pés, me apoio nos joelhos e levanto e ando pelo quarto. Ando pelo quarto e vejo a borboleta amarela. Ela dorme. Tento não acorda-la. Faço pouco barulho, mal respiro. Lembro que me disseram que borboletas só vivem um dia.
Fico a encarar a borboleta, ela dorme. Borboletas só vivem um dia. Borboletas só vivem por um dia. Ela faz um leve movimento de asas e eu me assusto, caio na cama. Ela vai voar, vai morrer longe, e eu não compreendo nada mais alem da borboleta. Deito, durmo sem dormir, acordo, pulo da cama. Ando pelo quarto.
A borboleta ainda está lá. Ando... Sento, fico a olhá-la. Ela faz um leve movimento de asas. Arranco suas asas, o resto de borboleta cai no chão, agoniza, se debate, piso nela de pé descalço. Sinto que a livrei de seu papel, tendo morrido não precisa mais morrer. Livrei-a de sua sina, jogo suas asas amarelas pela janela e elas voam para longe, já não morrerão mais.
Deito. Durmo. Adeus.

sábado, julho 01, 2006

(dores)

Simples Cidade
Tito de Andréa


Simples...
Simples fato simples.

Simples dor aguda,
Simples pedaço de vidro,
Simples.

Simples...
Simple pensamento sublime.

Simples...
Simples vento rápido,
Simples.

Simples...
Simples lampejo,
Simples eu vejo, a árvore em chamas perto de mim...
Simples.

Simples...
Simples grito traquüilo,
Simples estampido.

Simples visão sombria,
Simples noite,
Nunca dia.