quarta-feira, abril 29, 2009

Meu amor

Por quanto mais tempo?
Por quanto mais tempo estômago retorcido, choro coagulado, grito atrasado e morte...

Por quanto mais tempo, então, esse sonho metrônomo?
Por que essa desistência imanente?
Esse drama que resiste?
Esse jazz que se repete?

Também será feito de ti o que fez dos dias e dias e dias...
Também farão de ti faraó-múmia-de-ontem
Será pó e formigas comerão.
Será sono.
Será tempo e tempo passará.

Quem lembrará?
Quem acusará teu nome no dia definitivo?
Quem dirá lembrar-se de ti e testemunhará teu legado?

Nada convém ser
Bad trip, dizem...
Eu fico.

Essa terra violada onde pisamos...
Esse sangue de virgindade rompida
Essa inocência que nunca pudemos reclamar...
Por que nos tem ofendido?

Vida havia, até... Mas vivemos e foi-se.

Antes de tudo um sonho de bêbado identificado que sonha o que quer que seja e envolva uma lembrança...

Amar-se?
Ama a ti mesmo como ao teu próximo...
E eu?
E eu, Senhor? E eu que odeio a tudo, que rio de tudo, que nunca soube levar nada a sério,que sempre rolei em cacos de vidro, que sempre martelei formigas, que apontei ao meu semelhante e ri-me inteiro de escárnio.

O que será feito de mim?
Que inferno o Senhor tem para me dar que eu já não tenha imaginado? Que tipo de penúria será dada a mim que eu já não tenha dito que é pouca?

Deus é muito pouco para o que eu quero.
Deus é muito pequeno para nós...

Deus, meu amor, são essas tuas pernas abertas e esse teu cheiro.
Esse teu cheiro de sono, teu cheiro de desapego.

Deus, meu amor, é teu sexo junto ao meu.
Teu sono, teus olhos mexendo quando eu te olho dormir.
Teus poemas de morte e de vida e tua pele de mar.

Deus, meu amor, é essa morte manca que me segue e que você afugenta quando eu grito abafado ao teu peito.
Deus, meu amor, é essa morte que me segue.

Será que sobrará?
Será que sobrarei?

Tito de Andréa

sábado, abril 18, 2009

Retrato

Mas se pudéssemos
Cortar os dedos todos
Para jamais poder tocar em pele e em óleo novamente...
Para jamais ter de tocar novamente.

Arrancar dente por dente,
Reverter o dorso,
Deturpar o cérebro
Endurecer a pele, amolecer os ossos, estancar o sangue

E ir ainda além
Enterrar as unhas
Rasurar certidões
Exumar pai-e-mãe.

Comer a língua/linguagem
Jamais olhar em olhos
Jamais chamar nomes,
Ter de vestir-se todo de amores suados.

Jamais ter de ser crianças,
Não precisar de colos e carícias
Não salivar nem chorar nem comer nem ter medo de morte ou de escuro.

Simplesmente esperar sorrir nos (próprios) funerais
E poder não retornar.
Meus nomes seriam todos em branco
Meus discursos lacunas
Meus quadros silêncio
E meu poema não seria.

Tito de Andréa

sábado, abril 11, 2009

Pesadelo


Desertos são vermelhos
Cidades são santas
Santa sífilis comendo as coxas de Nossa Mãe,
Santa sífilis fodendo por dentro do corpo uma febre que não queríamos amar;
Que não queríamos amor.

Santa febre vermelha como desertos são
Santa doença escarlate - como desertos que se alargam horizonte adentro...
Ainda mais além...
Um mar...

Santa virgem mácula irmã
Santos somos e saberemos ser.

Ferveremos, em vermelhos céus desertos, nossas famílias e as guardaremos em urnas cavadas sob árvores que nos comerão.

Olhos abertos para reconhecer o messias.
Olhos abertos para reconhecer o incêndio;
Olhos abertos para sentir o tato das cinzas ainda em chamas...
Mas não queríamos amar.

Fevereiro chegará em carnes sujas
Suor, chuva e esperma/
Suor, suor, suor/
Suor, chuva e gozo.
Chegarão caravanas veladas
E não nos guardaremos à poesia morta.

Morrer e ser parte.
Ser parte e não ser todo.

Proteger os estilhaços de sua granada com a boca.
Proteger os estilhaços do seu peito.
Guardar a mão numa caixa
E pedir esmolas com olhos foragidos.

A cidade é um deserto vermelho (como são todos os desertos)
Que tomou morada entre meus olhos e o fundo do crânio.
Que tomou de assalto meu sorriso
Que estuprou meus ancestrais
Que violentou nossos velórios.

Só somos putas vermelhas de um deserto igual.
Somos velhas avós que não falam o idioma da casa.
Choraremos pragas ao visitante,
Cuspiremos sangue no olho.
Só somos putas vermelhas de um deserto igualmente vermelho.

Estenderemos porta adentro de nossas casas essa armadilha venenosa.
Não nos reconheceremos em nossos filhos e nossos filhos não nos reconhecerão em nós.
Não poderemos dizer que lá vai um rosto conhecido e amigável, pois não teremos sorriros que se retribuam.
Acabaram os apontamentos sorridentes, os bonsdias e os vãocomDeus,
Acabaram os encantos graciosos,
Porque não podemos transformar tesouros.

Mas fevereiro chegará com redentora chuva rósea.
Chegarão nossas festividades lentas.
Chegarão nossos arrependimentos, ressacas morais, máculas nas roupas, beijosdeadeus...

Não sorrirá mais a mãe
Não sorrirá mais o filho
Não sorrirão os pássaros, nem outro animal que se valha.

Infecções com dentes.
Infecções dentadas que morderão nossas cochas e poderemos ser infecciosos e impiedosos como sempre.

Um elefante de pedra.
Um leão-dragão de pedra que dança diante de Deus.
Que dança diante de Deus-pedra-gigante-comedor-de-coração-de-índio.
Não me pegarão vivo.

Não me pegarão vivo.

Máscaras de samurai de pedra.
Templo vermelho.
Cidadesífilisfeliz.

Não poderão me pegar vivo, porque não estarei onde seus olhos pedregosos alcançam.

Vestiremos uma nobre máscara mortuária para enganar o diabo.
Enganaremos enquanto andamos de mãos dadas e sorrisos.
Vestiremos nossos melhores trajes de morrer e viveremos.

A cidade é um cemitério
A cidade é um cemitério
A cidade é saudação ao mundo dos mortos.

Pesadelos são vermelhos como só os desertos sabem ser.
Me guarde ao lado do coração no bolso.
Me guarde ao lado da doença vadia que morde.

Larvas migras da terra,
Marquem-me.

Saudade mata.

Tito de Andréa

quinta-feira, abril 09, 2009

(mais) Micropoemas

Autofé

Deposita sobre tuas montanhas
Um sorridente Buda
Para refletir neles
Teu peso sagrado

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Releitura de um velho poema
ou
Pedido de desculpas a um amigo

Eu não leio olhares
Eu não falo sorrisos
Não sou alquimista

- Nunca aprendi a transformar gestos em tesouros.

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Máquinopeito

Sangra esse resto
Vermelho, escuro e oleoso
Do teu peito de máquina

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Síndrome do Pânico

Já não há
Medos que sobrem
Temeremos os amores, então

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Literatura

Se te contaram
Sobre salvação amorosa e redentora
Que venha de livros...

- Mentiram-te.

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Jardim

Ainda havia barro
Nos dedos de Adão
Quando ele comeu do fruto
E percebeu que não tinha umbigo


Todos por Tito de Andréa

sábado, abril 04, 2009

Poema-madrugada-sem-nome

Para ver se arranco de algo esse odor nacarado que percorre nossas espinhas.
Esse tédio encantado que brilha nos teus dedos fumacentos.

Esse tédio sangue.
Esse tédio carne.

Vazio.

Vazio para poder transpassar e transparecer olhares abertos de pérolas plumbeas e ninféticas.
Mastigar a lentidão irregular.
Mastigar os lapsos e tremores.

Toma essa paranóia sifilítica e bebe tudo de copo cheio.
Antes um brinde,
Um brinde ao senhor seu pai que mastigou tudo.
O Senhor teu pai Buda-beat-macaco.

Santo, santo, santo, santo...

Cante comigo, irmão.
Canta comigo agora nessa procissão vespertina, viperina e tediosa.

O peito bate
O peito late
E sangra lentos diamantes;
Lentos diamantes mordidos.

Canta comigo o sangue e o chicote.

Maldizer os malditos dias.
Maldizer as bençãos por educação.
Maldizer coração acelerado de macaco.
Maldizer teu eu, eus milhões que apesar de tudo não ficarão.

Canta e maldiz as portas abertas.
Às portas abertas do peito putréfato.

Mastiga, canta, dança ao tédio Santo.

-Beat-beat-beat
Diz o coração peito canceroso.
Diz o profeta sangue-corcunda ante as árvores que não se importarão de ser tuas filhas aniversariantes e grávidas.

Não se interesse a fundo,
Só nos restará soprar fumaça.
Só nos restará chorar avós e comemorar velórios.

Dores no peito.
Dores no pulso.
Dores nos restarão.

Danças, mastigações, diamantes, tédio e celebração viperina.
Vespas chuvosas e dançantes.

Já que me associei ao que não tem nome,
Digo adeus a ti.

Sopro tua ânsia de volta aos teus pulmões e digo:
- Não há aqui resto que te ame ou sentido que te faça.

Mártires de mármore.
Gravemos nossos nomes.
Lembremos.

Enfim:
- Do pó ao pó.

Amém.

Tito de Andréa