sábado, novembro 29, 2008

Eclesiaste

Que estou prestes a vomitar, todos já sabem.
Que estou ácido, morno, trêmulo: todos já sabem.
O que fazer de mim que seja novo?
O que fazer de mim que seja arrebatador, quente ou frio?
O que fazer que abrace, morda e rosne?

Que estou prestes a conceber um sol todos já viram.
Que estou ajoelhado em medos e meios de morte, de alguma forma já anunciaram.
E o que fazer que se sinta e se sirva de banquete aos ávidos e de água aos sedentos?

Uma festa de saciados.
Uma festa de sacrifícios.

Que não sei gritar, que não tenho mão, nem pé, nem arma, nem alvo:
Todos já sentiram.
Não há ameaça, então passam por mim sorrindo.
Não há jogo, então continuam.
Não há sentido em fazer diferente.
Mas o que sentir que já não tenhamos profanado ou ofendido?

O que criar que não seja uma torre de salvaguarda?
Que pedras empilhar para que não formem um novo castelo da salvação onde esconderei mais tesouros do óbvio, pérolas pálidas que chamei de alma...
O que dizer que não seja só ruminamentos de outros ontens onde dissemos coisas melhores?

O que santificar que já não tenhamos desejado sujo?
O que maltratar que já não tenhamos amado antes?
O que contradizer e odiar, odiar mais, que já não tenha sido eu?

- Vaidade, tudo é vaidade.
Grita o velho Eclesiaste estúpido de um tempo sem sábios.
- Vaidade, tudo é vaidade.

Mas meu coração não serve para metáforas, porque não há sorriso que seja o bastante para atingir o que quer que sangre.
Meu coração não agüenta metáforas para si, porque não há mundo que seja pequenogrande o bastante para ser abraçado.

Mas nós já compreendemos as vaidades e é hora de alcançar algo ainda menor.
Menos algo e mais nada.

Menos nada e nada então.

Tito de Andréa

sexta-feira, novembro 21, 2008

Micropoemas e outras minimortes

Faculdade

Ler ler ler ler
Ler
ler ler ler ler

L.E.R

(Por Tito de Andréa e Lucas Dib)

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Fotograma

Quanto pesa
A luz
De meus reflexos?

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Vida

Morrer,
Cada vez
Menos

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Rimbaud

Passar os dias
Como quem come
Trechos do inferno

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In-Tranqüilidade

Da vista
Apenas vejo
O antiverso

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Cidademundo

Das vistas que ninguém viu
Eu também
Não vivi

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Nietzsche

Forjar,
Com um martelo,
Um ídolo
Indolatrável

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Gênese

Morde a maçã
E cria
Uma serpente
Uma mulher
Um Deus

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Multialma

Não ser só
Apenas
Ser também

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Atlas

Nos joelhos
O peso
Do céu

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Cidadessanto

Beatfica
A alma
Das luzes

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Fantasma

Meu espectro
Jejua
Na janela

Tudo por Tito de Andréa

terça-feira, novembro 18, 2008

Bola-e-corrente

Foi isso que eu trouxe.
Essa alma efervescente, essa luz inversa, essa dor de parto.

E é isso que eu venho carregando, dia-após-noite-sem-dormir, entre os braços e a pele.
Essa intoxicação, essa mancha, esse som fino sem voz; rouquidão e espasmos.

A traição de meus pais para com a carne-santa que há na terra;
É isso que eu tenho aqui.
Amarrado bola-e-corrente,

Sangue e pele.
A carne; vomitei pelos olhos regurgitantes-de-luz.

É a hora do sol-reverso-chuvoso que cega a claridade.
Olhos de sombra-carnívora.

E é isso que eu trouxe tatuado na morte.

É isso que eu tenho liquefeito no meu peito.
É isso que eu alimento com pedaços amados e amargos.

Ineficiência e acidez no meu estomago.

Minha chuva poluída, minha descrença insuficiente.
Meu indiferente desejo que não arde-nem-queima nada agora.

É isso que eu levo.
E desisto de depositar aos teus pés.

Não me valeram de nada quando eu estava humilhado.

Tito de Andréa