domingo, abril 22, 2007

Assentamento.


Há cinco dias a guerra começou. E estou cá a ver o frio e peste em vermelho amor pela cidade. Poluído rio de sangue, minhas veias entram em meu cérebro cansado com novo ar. É uma nova vida; novo tempo de bonança. Há cinco dias estou trancado em uma cela armada e verdadeira, mesmo que essa cela de paredes imaginárias tenha sido a maior verdade que tomei; sou feito de átomos. Gosto de números.

Há cinco dias eu vejo os dias passando táteis e rápidos.

Desperta o desesperado e em sua cama suor e sangue velho. Em minha cama minha alma nada, e eu despido de humanidade berro à morte que vem lenta e precisa. Uma faca sem fio que corta uma pele sem cor.
--- Dor. ---

Afasta-te de mim. Afasta-te de mim, vida.

Também quero ser genial, também quero em meu nome a cor dos Deuses.

Há cinco dias meus ferimentos sararam e eu tive de arrancar as asas novas que insistem em crescer. Saltei para o chão e quebrei os pés.

Dedo, tendão, tensão, pressão, pulsão, pulso, punho, soco, seco, folha.

Saltei para os pés e quebrei o chão.
Quebrei o salto e caí nos pés.
Pisei o quebrado e o chão saltou.
Assentei o salto e quebrei a mim.

Quebrei tudo, saltei para fora e o chão sumiu.

Há cinco dias meu pássaro morreu e eu não tenho mais música em minha janela. Quebrei suas pernas para que cantasse mais alto e mais forte e mais e mais.
Até que não mais tinha pássaro a ser quebrado e eu tapei a janela.
Não tem sol onde vive a sombra.

Luz - já dizia o velho - é para poucos.
Eu fui feito de e para a sombra.
Também quero ser genial.
Tão bem quero gritar e cair e rolar sobre meu cadáver decrépito e desnudo de sentimentos.

O mito mitômano maníaco envolto em liquido amniótico.

Feto natimorto.
Aborto sobrevivente.
Nascente.
Meu norte é o sul.

Há cinco dias vi a terra girar para trás e pude encontrar a criança que brincava de atirar pedras para o alto. Pude olhá-la nos olhos e compreender que estava quebrada.

Compreensão, compressão, pressão.

Cá no fundo do oceano de concreto tudo é forte demais.
Pesado demais.
Compacto.
Comprimido.
Compresso.

Há cinco dias que não conto dia nenhum e não sei de onde arrancarei forças para ser.

Devagar e honesto; ganha a vida sendo fraco.
Fraco.
Fraco.
Para baixo e além.

Amém.

Tito de Andréa

sexta-feira, abril 20, 2007

Poeticar II (ou Sobras de Kafka)

Lançar-se ao fogo
Chorar lodo
Comer porcos
Matar a vida

A barata em mim rompe meu exoesqueleto
E anda. Sempre faminta, sempre assustada, sempre pelos cantos, sempre pelo escuro, sempre pelas brechas.
Sempre.

Come os restos de comida velha
Defeca sobre os novos pães
Contamina nossa água e plantação

A doença moderna
Arrasta-se

Esmago-me sob meu próprio sapato,
Enquanto escuto
Os gritos de minha assustada mãe.

Tito de Andréa

quinta-feira, abril 12, 2007

Corpo e Alma

Cabe no olho
A sobra da vista
A vista que via
Vida

Cabe na boca
O resto da língua
A língua que vibra
Víbora

Cabe no peito
O resto do órgão
O órgão que bate
Cidade

Cabe no estômago
O resto do homem
O homem que some
Semente

Cabe no sexo
O resto do nexo
O nexo que (quase) sempre
Desconecto

Cabe na coxa
O resto da carne
A carne que sente
Dormente

Cabe nos joelhos
O resto da dor
A dor que sobe
Nascente

Cabe nos pés
O resto dos passos
Os passos que rápidos
Decadentes

Cabe na terra
O resto dos restos
Os restos que nascem
Viventes.

Tito de Andréa

segunda-feira, abril 09, 2007

Micro-poemas II

Micro-poemas

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Química

Átomos;
Pois Deus também
Foi criança.

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Liana

Nos cabelos da ruiva,
Em seus olhos e pele;
O cheiro do sol.
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Velho

Vejo nos cabelos brancos daquele homem
o Tempo que passou,
e que eu não quero.

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Gênesis

Porque até o homem
foi uma brincadeira
De um velho solitário.

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Família

Pois até Cristo
Foi expulso de casa.

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Definição

O poema concreto
É.
Um bloco
De Pala-
Vras.

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Homem

Pelos cabelos e pêlos
Unhas e carne
Pele e ossos, órgãos;
Morte por toda parte.

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Poeta

EM minha língua tenho sapos
Que saltam e gritam:
- PALAVRAS PALAVRAS PALAVRAS

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Páscoa

Tendo gritado ao Pai:
- Não volto nem morto!
Ressuscitou.

(Todos por Tito de Andréa)

quinta-feira, abril 05, 2007

Famigerinto.

E a fome que me come por dentre ferve o óleo de meus dias,
Fervo eu e meu inferno invernoso,
Fervemos juntos, fervilhando, circulando, moléculas que vibram e reviram-se em minha tumba.
E a fome que me come por dentro mói meus ossos e dentes.
A fome que me mata, desgasta e revive.
A fome que vive de mim;
Minha filha amada aconchega-se a meu peito e chora, derrama tuas longínquas lágrimas, derrama meu sangue que corre em ti; minha fome viva e pulsante, minha carne sedenta, meu sangue.

À terra.
À terra meu legado infiel.
À terra as cinzas de mim, as luas do que fui.
À terra meu inverno, meu verão.
À terra meu outono.
À terra.

A fome que me come por dentro nada me deixa.
Nada me dá.
Toma-me, me come, me leva.

Pega-me pela mão, pega-me pelos cabelos e me arrasta escada abaixo.
Não podemos passar disso.
Não vamos além, além do fim há mais fim.
Pega-me pela mão e leva-me corredor acima.
A(s)cenda-me em chamas.
Minha pele e unhas.
Nosso cheiro impecável.
Nossos pecados inodoros.

Em tua pele vivo eu.
Parasita errado, vivente.
A fome que ferve, queima e revira minhas intragáveis entranhas.
Minhas mortas metades.
Meu corpo já carcomido,
À fome que me come por dentro e vive de meus olhos secos.

À terra.
Minha querida e amada terra que me coma.
Não caibo, não valho, não sou.
Fui.
Vivido, vívido e morto.

Em tua carne moro eu,
Morro eu.
Morremos.

Morramos.

Tito de Andréa.