quarta-feira, janeiro 30, 2008

Insônia

Que eu deito meu fado cefálico sobre um travesseiro e lençóis mornos e todo meu corpo acompanha a dança de misturar-me ao sono e que o sono não vem.
Que eu por completo giro e bailo sobre as tábuas e as tábuas sustentam o chão debaixo de mim, que o chão debaixo de mim foge e me deixa no vazio sonambulinsone e a queda que viria não vem. Fico eu de corpo e lençóis bailando sobre tábuas que não seguram nada e que me abandonam também.
Nu, acordado, só.

Que estão me perseguindo lá fora.
E olho para o teto escurecido pela noite, e olho para a noite que teima em me sacudir e me gritar silêncio nos ouvidos. E é tão tátil e tão forte o tal silêncio, que meus ouvidos se comprimem para dentro e soam um eterno "oooon" - que é o som que fez o universo surgir, me contaram.
E então o universo faz minha cabeça de útero e eu tenho tanto medo.
Mãe, eu tenho medo do universo explodir em mim e me fazer de Deus.
Mãe, eu tenho medo das pessoas que viverão e adorar-me-ão e crucificar-me-ão. Mãe, você não era virgem, por que eu tenho de ser Deus?

Que estou rolando cá dentro de meu peito, e esse leito de carne que me fiz é pequeno e parece um casulo irrigado por veias e mais veias e mais sangue.
Que parece até que o universo está chutando de meu estômago para fora, e sinto que vou vomitar.
E me sento na cama e tenho medo de não ter chão que me esqueço da náusea e da tontura só por medo de cair e não voltar.
Mãe, se tudo explode o que sobra?
Mãe, se tudo explode o que sombra?
As camisas penduradas me dão medo.

Que estão com uma arma apontada para mim em algum lugar, e que sinto meu peso redobrado e montado em meu peito. Sobe e desce o tórax. E me parece que tudo se converge em mim e nesse tal trabalho que devo fazer. Sobe e desce o universo em meu peito. E a dor é tal tamanha que não dói.
Estica os braços sobre a cabeça e repete junto com o silêncio "oooon" e talvez cessem as dores de parto.
Parto-me eu, nesse suor pantanoso que meus lençóis são.
A noite é quente e vibrante são meus átomos.

Mãe, que você me fez filho e insone noturno.
Que fiz do dia; dia e da noite inferno.
Que dói acordar antes de ter dormido e dormir apenas acordado.
Os olhos pesam, mas isso não é culpa minha, mãe.
É tua, que me fez...

E a noite passa, e eu fico.
E a noite fica mais fina, e eu sei que vou parti-la.
A noite fica mais clara e eu sinto dores por mim.
A noite morre aos poucos e eu sinto o silêncio me abandonando, e sou tomado por assalto por sons.
E eu tenho medo de não sentir o vazio completo que o silêncio causa em minhas orelhas. E tenho medo de pisar o chão e não reconhecer o vazio que me faz dançar. E tenho medo de perder o universo que parasita meu crânio.
E tenho medo do sol, que parece que eu fiz nascer.

E tenho medo do dia, e do dia eu fujo.
Até a noite. Que é a morada de minha insônia, que é a vida de meus pesos, que é morte de meu dia. Que é a vida em si.

Tito de Andréa

domingo, janeiro 13, 2008

Abraços e há braços

Abraça-me e envolve-me com teus braços metálicos que ressoam e ecoam por dentro de mim.
Perfuma e perfura meus pulmões com teus dedos longos que eu por completo respiro o sangue e me afogo de garganta e peito arfante, que meus olhos assistem pequenas esferas explodindo e expandindo diante de si.
Que minha pele conhece o desespero lento do sono cremado vivo.

Abraça-me e envolve-me com tua fala e tua falta que não me faz.
Que eu inteiro me envolvo em lençóis de morto e prossigo dançante e febril.
Que eu por partes, parte a parte me afundo em teu ser.
E me debato e me despeço dos fogos do teu maremoto.
Do frio de teus infernos e do sol de teu outono.

Impede-me se quiser de saltar e soltar a corda que nos une, de romper o abismo, de colidir com o Deus, de arrancar-lhe os olhos.
Impede-me se quiser de romper os cordões e falar por debaixo da mordaça.
Murmurar paredes.

Impede-me de abraçar-nos em meus braços de vento e de pó.
Impede-me de envolver-nos com panos mortos e de nos cultivar em terra seca.
Impede-me de ser-te e cheio de ti, transbordarei.

Abraça-me e arrasta-me para o fundo de tua caverna, cobre meus restos com pedras, e vive a morte das feras.
Dentes, unhas e sangue por fim.

Tito de Andréa

sexta-feira, janeiro 04, 2008

Micropoemas e outras coisas não sérias

Constelação

Nos cantos calados
da noite
Elas cantam.

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O Primeiro

Com o olhar sem medo
Abriu Abel
O caminho dos mortos

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Corte

Na pele
A pele
Da faca

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Vinverdade

O homem que quer morrer
Está vivo
O que quer viver
Está vivo
Apenas o morto,
Está salvo.

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Segunda pela Manhã

- Levanta-te e anda!
- Não mãe,
"só mais cinco minutinhos

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Kerouac

Segue a estrada
Até o fundo
Do poço.

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Física III

Enche-se o quadro branco
De toda a sorte
Das minhas sentenças de morte.

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Segunda pela manhã II

Brota da terra
Aquilo que será o negro líquido
Que alimenta o mundo.
- Petróleo?
- Não. Café.

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Ser

Do sol
O sábio
Cegou-se.

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Meia-noite

Eu sinto
o sino
Indo-vindo indo-vindo

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Neo-José

Quer ir para fora,
Mas não está dentro
E agora, Tito?



Todos por Tito de Andréa