quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Depassar-se

Pé ante pé ante pé.
Passo ante passo após passo, eu passo e continuo e sigo. Nem sempre em frente. Que às vezes me atraso e ando para trás. Que eu caio e salto e nado no ar.
Subo e salto e plano no espaço que se abre e fecha seus dentes diante de mim. Fico preso na boca imensa do peixe que me cospe perdoado. Sem engolir.

Nem sempre em frente, mas às vezes pé ante pé...
Passo a passo o passado fica preso na ponta dos dedos como um cheiro de fumo amarelado e amargo que a gente traga e sopra e sobra em cuspe no chão.
E o chão?
Passa.

Antes passar de vez que ficar aqui, arrastado pé ante pé como que acorrentado e violentado, como que indo e não voltando, como quem não quer ver o que olha. Mas olha. Mas vê.
Antes nem passar por nada que andar e (vi)ver de olhos abertos.
Antes nem passar, nascer natimorto. Um aborto.

Antes nem ter pés nem ter voz nem fala.
Antes nem ter dentes nem ter sementes para dividir.
Antes nem ter frente para ir. Assim, nem sempre em frente, iria. Adiante.

Antes não falar que não saber falar é não saber sentir.
Que só sente o que se fala e pensa.
E se pensa sabe. E saber é doer-se.
E não saber expressar é não saber doer. E não saber é passar.
E passo ante passo eu passo e sigo, nem sempre comigo.

Antes não ir que subir sobre mim estes degraus de mármore.
Antes olhar o sol queimar o olho que gritar que o olho queima e queimando-se se vive.
Se vive, morre. E se morre, passa.

Antes não vir que transpor esta ponte de carne viva.
Antes olhar o frio cobrir o corpo que gritar que o corpo pára. E parando-se se vive.
Se se vive. Morre-se. Passa-se.

Antes não estar que chegar aqui neste ponto morto.
Antes encarar o ar que afunda os pulmões que chorar que o pulmão seca. E secando-se é que se morre.
E se morreu.
Passou.

Tito de Andréa

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Afugar-se

Ao longe
Há o longe
Onde o longe não se vê

Ao longe
Há o perto
Onde o perto não se crê

Há o vivo
Ao vivo, morto
Morto-vivo

Ao horizonte
Há a noite
À noite, perto

Ao norte
Há o sul,
Longe.

Há o longe
Ao longe
Não tão

Perto.

Tito de Andréa