sábado, novembro 28, 2009

L'Áfrique

a Rimbaud

"Wild child
Full of grace
Savior of
Human race"
Morrison

De que te serviriam as noventa e oito mazelas na língua materna,
Se de tudo no fim não pudesse resgatar um lapso maligno numa redoma perolada?

Se no final, mesmo que entre elefantes, o impossível não se descortinasse,
Se a pele não fosse transposta em transparência,
Se, à luz da vela, não sorrisse o negativo que atrai?

Do inferno imortal das coisas,
Da irmandade infantil entre nós,
Dos sorrisos ferinos, das rasuras musculares, das fibras dos cabelos,
Se de tudo que fosse imortal e inacessível não pudéssemos arrancar um fio?

Se de cada maré-morte não se retirasse um nado-sorriso,
Se da dor e do grito não restasse um todo-tudo?

De que serviriam a nós as garras e os gigantes?
Os pés sujos a restaurar a enfermidade,
De que nos serviriam os amores e os cristos nus em cruz?

Desce novamente e se ausenta.
Ao inferno mais baixo que o mar,
Às impronúncias mais caladas que o sol,
Mais brancas que o deserto,
Mais negras e renegadas que a tua amada África escondida e secreta.

Desce novamente e bebe o verde e o azul e o amarelo e o negro.

Pois não nos serviria de nada um nome sublime e um tato amargo,
Se de tudo, no fim, mesmo que entre os pássaros, não pudéssemos reconhecer Grandeza e Amplitude em cada pedra.

Não nos serviria de nada.

De que nos valeria, então, a morte?
De que nos valeria diante da magnificência perdulária dos astros e dos dias no Deserto-Nada.

Somos, eu e tu,
Irmãos.

Tito de Andréa

quarta-feira, novembro 25, 2009

Cotidiana V

Mário andava apressado quando viu um cachorro atropelado e virou poeta.

terça-feira, novembro 17, 2009

Salina

À luz do que não existe
Estou cansado e escrevo.

Procuro exaltar de alguma forma o nada que se entorna
O branco que se esbalda
O vazio que se desanda
Com gosto de queimado e cheiro de solar

Procuro o mar do sabor no rio do peito
Nos cantos da sereia que se esvazia
Nos prantos
Nos pratos
Nos ratos
No tato
No ato
No tu

Sempre nu
Sempre
Sem

Nem
...

Nada

À luz do que não chora
Do que não chove
Do que não move
Nem morre
Nem sorve
Nem quente
Nem...

Eu sento e escrevo
E escuto
E anulo
E anfíbio me afogo num deserto.

Ar demais, Senhor!
Ar demais, Senhor!

Deu-me pulmões semáforo
Deu-me árvores fuligem
Deu-me nadas repletos de sol
Deu-me coisas demais, Senhor

E não sou capaz, Senhor

Não olhe para mim que não posso retribuir
Que já cansei dizer que não transformo em ouro

Outro.

Sem pano
Pranto
Pra quê?

Sem ser

Sol
Salino

Sem ver
Vir e ir
Sentir

É ar demais, Senhor
Os peixes se destroem, Senhor
O pão abolorece na barriga, Senhor
O vinho se vomita, Senhor
Tem eu demais em mim, Senhor
Tem eu demais em tudo, Senhor
Tem tudo demais em mim, Senhor
Será que não há resto?

Respeito?
Senso?
Ridículo?
Problema?
Família?
Fonema?
Lingua?

Onde estão os que disseram que seria agora?
Onde estão os que anunciaram...
Onde está, Senhor?

Só sol.

Só sol e sal.

E só.

Hoje me apareceu em forma de dor uma vida inteira e enviei para dentro de uma caravana um pesadelo onde o amor morria.

Um pacote lacrado cheio de fezes e pedaços de mim.
Um poema cheio de leite.
Baldes e baldes de brancura sem gosto.

Abre os olhos,
Contempla o templo
O ar que anseia
O asno que anseia
O anus que...

Tudo que
Sobra
É
Demais.

Só sal e solidão
Me amem também,

Amém
(como sempre.


Parentese aberto e reticencia sem fim eu vou

..



Tito de Andréa