sexta-feira, agosto 31, 2007

divino, demasiado Humano

Seis Bilhões de anos o Universo levou para construir a terra, e no sétimo o cansaço era tanto que descansou por um.
Quando retomou seu cansativo e descuidado trabalho terminou por criar a vida e a vida viveu.

E vivendo mudou e cresceu e nasceu um dia, em um lugar tanto quanto sujo de barro, mas ainda assim belo para se viver, uma Mulher e - ao contrário do que se acredita, depois, de seu ventre veio o Homem.

O Homem coabitou com sua ossuda mãe e deu à luz novos filhos que coabitaram entre sie por sua vez com seus novos filhos.
E de sua orgia surgiu o primeiro povo que construiu casas e cercas, pois haviam decidido que não mais viveriam em árvores, pois não conseguiam mais evitar as serpentes e muitos morriam envenenados.
A isso chamou-se Consciencia e mudaram-se do jardim.

Tendo então criado rebanhos, pomares e hortas decidiram os Homens que estavam sozinhos e criaram deus.

Criou o Homem deus a sua imagem e semelhança e viu que isso era bom. E se alegrou o Homem de sua criação e nela encontrou regozijo.

E por fim esqueceu o Homem que criara deus, mas não se esqueceu de dEle.
E por mais fim ainda, acreditou o Homem que deus o criara e foi assim que Deus matou o homem.

E o homem andou e conquistou para Deus templos e catedrais, mas a isso Deus não viu, pois Lhe faltavam olhos muito fortes para ver.
E mesmo sendo Deus plano e vasto a ponto de cobrir toda a terra, e mesmo sendo Deus fumacento para entrar, pelas narinas e olhos, nos homens, Deus não tinha olhos muito fortes e disso só ouviu falar.

E o homem andou e povoou ainda mais o planeta e logo havia pouco espaço para Deus, mas Ele ainda assim decidiu ficar e os homens construiram para Ele altos e poderosos templos.
Não sendo os templos suficientes, criou o homem o Céu para Deus povoar com anjos e Ele alegrou-Se.
E do Céu criou Deus o Diabo e esse os homens não queriam entre si. Criaram então para o Diabo uma casa igualmente não amada, chamram-na inferno e o trancaram lá.

A terra estava então livre de Deus e do Diabo, mas o homem continuou a lembrar-se dEles e a sacrificar seus melhores animais por amor de um e/ou temor ao outro, sem que possamos dizer qual dos dois na verdade é temido ou amado.

E com medo ou amor e medoamor continuou o homem povoando, cercando e plantando a terra.

E a comida precisava ser muita, pois Deus tem olhos pequenos, mas um estomago grande e prefere comer carne, como Caim e Abel descobriram tempos atrás.

E o ouro precisava ser muito pois Deus gostava de joias e gostava de ver seus prediletos vendindo joias e precisava de templos para quando se cansasse do Céu viesse ver os homens de perto.

E os homens morriam.
E os homens sentiram inveja de Deus que não morria e decidiram que não morreriam também. E que iriam para o Céu, com Deus e seus anjos, e que os homens que eles não suportavam, por motivo ou outro, iriam para o Inferno que os carregue, ficar a eternidade com o Diabo e seus demônios que este havia criado por inveja daquele que criara seus Anjos.

E tamanho era seu susto ao chegar a lugar nenhum e encontrar outros homens que lhes contavam que não havia vida eterna e que lá eles eram eternamente esquecidos e enfim estavam livres dos olhos mesquinhos de sua criação.

Tito de Andréa

domingo, agosto 19, 2007

Epifania de uma vida

Ah, tenho ouvido falar de tetos nus e paredes que descascam. Portas que rangem e árvores secas; mas afasta de mim teus maus presságios. Arranca de mim teus dedos frios.

Ah, que me lembro de quando a tarde e o sol se confundiam ao som do piano e corríamos por paredes fortes e olhos atentos.
Ah, que me lembro de quando subíamos em árvores e éramos mais fortes que tudo.
Ah, que me lembro da água fria e das mangas quentes.

Tenho ouvido falar de imagens que sangram leite e mel.
Tenho ouvido falar de lágrimas nodosas que gemem à noite.
Mas afasta de mim teus maus presságios, lentamente, por favor.

Pois toquei com as mãos inteiras a fria escadaria de mármore áspero e meu tato inteiro foi amor.
Pois abracei com os olhos as paredes e as portas que deixam o sol passar e ouvi de olhos abertos às teclas amarelas do piano negro.

Pois nasci, cresci e tive tempo o bastante entre o céu e a terra para presenciar a casa onde Deus deixou suas marcas. E ainda nela pudemos enxergar nas colunas rachadas seus arranhões de Deus nauseabundo que morria e queria deixar um epitáfio para alguém.

Ah, que me faço mil outros mas volto sempre a mim.
Ah, que a saudade de um tempo tão deles me invade e eu me faço eles e me dói também a dor que não é minha.
Ah, que uma infância tão outra me bate a porta e eu caio de joelhos diante da maravilha do que não fui e posso tocar com as mãos inteiras as dádivas que me deram.

Ah, afasta de nós teus maus presságios e volta de onde veio.
Ah, pois subimos um a um, e um a um abraçamos a vida com a alma cheia de ternura e calor.
Ah, pois temos ouvido falar de tempos que não voltam, onde Deus era e nós éramos também.
Ah, pois temos ouvido falar de maus presságios e paredes e tetos e imagens.

Pois toquei com o corpo inteiro a vida inteira.
E me afoguei.

Tito de Andréa

quarta-feira, agosto 08, 2007

A Fornalha

Dói.
A cabeça já não é mais um porto seguro, já não é mais um piscina de criança. Não há ondas em um lago;
Um mar.
Já tivemos muito tempo para ser simplicidade e jogamos todo fora com pensamentos demasiado complexos, não?
Agora que tudo se bate e debate como um peixe frio numa rede, agora que tudo se forma e transforma e reforma. Parte e reparte.
Não há tempo para parar e pensar enquanto todo o universo se recria e procria.
Não há tempo para massagear os olhos nem para puxar mais um punhado de ar.
Não há tempo para fazer as mãos doerem menos.
Não há tempo.

Não pensa. Apenas martela e com este grande e divino martelo molda a ferro frio teu novo mundo.
Minha nova alma.

Não pensa. Quebra e reconstrói.
Não há tempo para reparar. Não há tempo para enxergar, abrir olhos, tirar o suor.
Não há tempo para tirar da boca o gosto amargo que a toma.
Não há tempo para vômito, suplica, choro ou febre.
Não há tempo para parar e fazer uma nova morada em pedras maiores.
Contentemos-nos com o que temos e façamos pior sempre mais baixo, sempre mais fraco, sempre mais lento.

Não há tempo para morrer.
Só há tempo para as sobras.
Para as moscas e para as ruínas.
Só há tempo para carne velha e apodrecida.
Só há tempo para frio e calor.
Abrir e fechar a fornalha.
Alimentar o fogo.
Só há tempo para doer e moer mais e mais a si.

A cabeça não é mais um lugar a salvo. Estamos como aves assustadas abrindo as asas e batendo-as o mais rápido que podemos, mas não voamos.
Não há tempo para sair do lugar, então apenas nos movimentamos o mais rápido e dolorosamente que conseguimos;
Parados.

Não há tempo para bater os braços e gritar por ajuda.
Afogo-me silenciosamente nesse resplandecente fogo então.

sexta-feira, agosto 03, 2007

O guardador de cavalos

Primeiro foram os ossos depois mais ossos e então a carne e o sangue.
Primeiro foram veias e depois mais veias e então os tendões e a medula.
Primeiro foi a alma e então mais alma e depois a razão e a voz.

E voz sempre tivemos de sobra.
Sempre gritamos por tudo, sempre berrando alto e mais alto então.
Até ficarmos surdos, mas de que vale a audição quando se tem voz e tanta alma contida?
De que vale o corpo quando se tem tanto ser para ser, de que nos valeu?

Ah, primeiro foi o sopro depois mais vento e então a vida.
E nunca foi o bastante
E sempre precisamos de mais e mais. E chegou o momento que era tanta que criamos algo ainda maior com ela e esse Algo era tão imenso que precisava se alimentar de alguma forma.
E demos e Ele comida o suficiente para matá-Lo.
Amamo-Lo tanto que Ele acabou por se afogar em amor e morreu.
O funeral foi longo e lamurioso, mas suportamos a perda.

Primeiro foi o dia e depois mais dia e então a noite.
E foi tão longa que precisamos de cobertores, pois o frio era grande e estávamos sozinhos e mortos.
E não parecia a mim tão ruim quanto era aos outros.
Pois todos gemiam e caminhavam cegos.
Não me foi ruim.
Não me foi tão ruim, já que depois de surdos estávamos todos então: cegos.
Era calmo e escuro onde eu estava e já não tinha a angustia viva pulsando e bombeando mais e mais dentro de mim.
Era calma e escura a minha paz.
Livramos-nos da morna e livre vontade de viver e tudo de uma única vez.

Primeiro foi medo e depois mais medo e então o sono.
Mas não sem antes deitar tudo a perder.
Não sem antes atear fogo às plantações e estábulos.
Secou tudo.
Não havia comida nem água.
Só havia sangue e carne.

Só havia suor e sol.
Só havia frio e sangue e morte.
E não éramos mais criadores nem criaturas.
Éramos apenas eu.
E eu só enfim.

Primeiro foram nervos e depois mais nervos e então a dor.
Foi no flamejante funeral de meus animais que eu me lancei.
Meus cavalos vibravam e ardiam em chamas.
E eu me regozijava com o choro e o estalar do fogo.
E eu era também parte de tudo.
E eu era louco e são e perda e vitória.
E eu era tudo até não ser mais nada.
Nada então.

Meus cavalos fugiram à noite e não voltaram.
Que sobra para mim então?
O que resta do céu para aquele que viu tudo?
O que ganho eu que presenciei e testemunhei cada minuto da vida?
E a vi nascer, criar e minguar e o que ganho?

Guardo em meu bolso o resto das cinzas de minha casa e estábulo.
Ainda escuto, no meio da surdez e da cegueira o relinchar dos meus cavalos e eles estão livres e vivos em mim.

Vivem em mim
De mim e para mim.
Amém.