A Ulysses e aos que vieram dele depois
I
Já não tenho nada que lhe dê.
Entreguei, aos urubus e teus outros irmãos;
Certo tempo atrás,
Tudo que trazia comigo:
As flores e os fios pequenos,
Os guardados dos bolsos
E dos corações em fundo de poço:
Cordas firmes rompidas,
Pedaços de madeira apontados,
Cadernos coloridos amontoados:
Outros tempos
De templos de papel.
Disso já não tenho nada.
De sóbrios violões-rodas-gigante,
E filosofia bêbada e paraíso-comprimido
E cerveja iluminadas e casas sem janelas e
Todo tipo frio de abandono que se clama no calor.
Disso que tínhamos e já não tens,
Nem eu tenho.
Haveria, aqui,
Certo tempo para falar.
Falar das tintas de caneta que me lembro,
De todo tipo de contenda-coliseu que se dava
(e não dará),
Das praças nem sempre tão verdes e dos olhos
Nem sempre não limpos,
Dos corredores e dos sons:
Elefantes em copos de água,
Fluorescência de uma primeira-qualquer-coisa,
Palavras só criadas para não dizer,
Caixas cheias de tinta e,
Aqui,
Meu riso com certo escárnio e forte amargura.
Da palavra irmão que aprendi a dizer,
Para logo aprender a calar de medo,
Ao som forte e grave que procede a um rompimento de corda,
O vibrar da corda antes de pôr-se tesa,
O momento exato antes da quebra,
Todo meio riso e falta de graça,
Todo olho empedrado em granito,
Todo meio ódio nos cabelos alheios,
Todo amor dado...
Ah, aqui,
Novamente há,
Meu riso escarnecedor que aprendeu a chorar.
II
Do espírito de luz às almas desertas,
Tão igualmente desertas num deserto igual,
Já não guardo tanto.
Também distribuí palavras e certo vômito
Com cores de ontem
Quantidades de fumaça e risos de cúmplice
Já não é possível o retorno.
Ao primeiro Deus ou
Ao primeiro momento,
Transgressões óbvias e bebidas que se recusavam a esquentar.
Já não há lembranças de uma irmandade nunca dita,
De dores mutuas,
De proximidades...
Do fogo nos cabelos
Nunca saberás
(o que é ainda mais triste?).
Já não guardo nada para ti,
Aos teus próximos –
Amores e comensais –
Entreguei o que tinha e o que podia,
Toda poesia encerrada numa cesta,
Todo deus-anão sepultado no peito,
Todo plano firme, terra quente, sol sedento,
Sede morta, água velha, olho amarelo,
Confissões mútuas de saudades,
Música e Literatura, que serpentes...
Vejo-os juntos e já não compartilhamos
Mesa e passo.
Já não é hora de incompletude na ausência,
É preciso que haja,
Nas praias da alma,
(Onde não se pode ficar)
Esquecimento,
E, aqui,
Também ao teu nome,
Sopro o riso amargo e ácido
De um veneno de pedras,
Já não há tempo para mágoas,
É chegado um novo dia,
Com um sol igualmente odioso,
Mas que,
Não será dividido.
Já não coleciono fragmentos ou partículas,
Não arrecado,
Do chão,
Pequenas pedras amontoadas.
Não almejo ponte ou oceano,
Não sonho amizades,
Nem falo pronúncias.
Tudo em mim é calmaria
Fumarenta ou não.
Espero que, de mim,
Guardem todos os conselhos,
Que tomem as veias sobre as quais lhes falei
E vão
De volta ao começo que termina,
Falar de buddhas e de Deus (único que há)
Que tome o músculo cardíaco nas mãos e
Leve-o,
Ouvindo ao fundo,
Sempre ouvindo ao fundo,
A sonora benção
Que entoa meu riso.
Tito de Andréa
2010