Poema biografia 18:18
Para todo mundo
Vivo ou morto
Vivo ou morto
Hoje meu poema tem esse gosto de Jazz
Essa derrota azulada que se abateu sobre nossas cabeças
Em forma de uma chuva a muito desejada,
Ou como cavalos comendo lixo em certa rua movimentada por onde passei
Muitos anos atrás
E que ainda me povoa como me povoam pombos,
Como me povoam todos que vi
Como me povoam as legiões do império romano,
E demônios do império cristão,
E soldados do império ocidental,
Marchando dentro e fazendo tremer meu continente.
Hoje meu poema tem um gosto de sangue velho,
Como aquele que fica na boca quando se acorda
E se mordeu a bochecha por dentro
E cospe-se uma saliva amarela e coagulada
E a cabeça sabe doer como se deve.
Hoje meu poema me sabe um gosto antigo,
Como as vespas de cobre na janela de minha avó,
Como as florestas convulsivas de meu bairro natal,
Como as ruas vidradas da cidade onde moro e de onde fujo,
Como minhas próprias veias constrangidas,
Hoje meu poema me cheira como flores pisadas
E gritos de alerta de criança,
E um cachorro doente:
Terminal, o cão
Terminal, eu
Porque há um pouco de mim no cachorro que vai morrer,
Porque há um pouco de mim nas vespas da janela que já morreram.
Vespas e janela e avó,
Porque há um pouco de mim nos pássaros desafiadores que fecundaram a pilastra,
Porque há um pouco de mim em tudo e em tudo estou, também, de alguma forma morrendo.
Porque há morte em tudo
E isso eu venho repetindo como antes repetia,
E eu venho tentando mostrar a todo custo isso
E venho tendo longas conversas comigo mesmo,
Longas e cerebrais conversas que encerram sem nunca findar
E eu me repito sobre a morte e sobre a força da morte e sobre a presença da morte,
E sobre o universo inteiro, que caminha para ela,
E sobre a vida no planeta que surgiu, mas não é guiada, nem guardada e que vai morrer,
E na entropia de todas as coisas, cada vez mais próxima dos equilíbrios
E penso no Santo Buda que pregava isso muito antes de eu poder entender
E penso em Jesus Cristo falando sobre amar a tudo
E penso em Lao Tse falando sobre o vazio, que também é uma forma de morte
E é a morte que me dá o sentido de tudo, muito antes do meu corpo ser um corpo,
Muito antes de meus átomos serem átomos,
E muito antes de vibrarem cordas e retesarem forcas,
E é o vazio em tudo e é a morte em tudo que preenche a tudo.
E eu venho pensando e pregando a mim mesmo esse longo e negro jazz que explode o universo,
E que vai fazer o próprio universo calar a boca um dia,
Quando de estrelas mortas fizer o coração,
Quando as cinzas forem o único alimento do monstro,
Quando não houver olho para ver e boca para duvidar,
Provaremos do sol muito antes de tudo,
E eu penso nos santos e nos mártires e nas lápides,
E eu penso em Rimbaud e nos seus delírios,
E eu penso na realidade que é bruta e frágil,
E eu penso na vida nova da criança que chora no berço ao lado e que é tudo e não é nada e tem em si todas as possibilidades da vida,
E eu penso na lentidão das horas de minha cidade natal,
Onde há uma convulsão de vozes e cheiros e gostos,
E onde eu posso ser réptil preguiçoso ao sol.
E eu penso em todos os anos que passaram,
Minhas vinte e duas histórias de morte,
Minhas vinte e duas vitórias perdidas,
Minhas vinte e duas voltas ao redor de um sol que aprendi a odiar e a amaldiçoar,
E giro de volta ao Santo Hamlet e seus delírios e sua grandeza louca,
E em todos os delirantes perdidos lunáticos fanáticos paranóicos esquizóides,
E em tudo que eu sou e em tudo que me diz tudo,
E eu tento a comunhão do Santo Whitman,
E eu ergo os braços como o Santo Allen,
E eu me lanço à febre e ao desespero do meu próprio deserto,
E caio em toda oportunidade que tenho,
E peco e mancho e sujo e maculo e conspurco e profano a tudo onde coloco minhas mãos
E hoje escrevo esse poema como quem vive
Simplesmente porque cansei de não fazê-lo.
O mundo para por uns instantes,
Não é a primeira vez e já não será a última,
Muito já foi dito e não há nada novo sob o sol como profetizou Salomão muitos anos antes de coisas não poderem renovar a si mesmas.
Hoje o poema tem gosto de tempo e tudo o que eu escrevo é triste como eu sou triste, mas não o tempo todo.
Não, não o tempo todo.
Nada para sempre, por favor.
Cansei de imortalidades e escrevo esse poema como quem escreve um poema sem pensar muito, mas pensando sempre, porque sempre se está a pensar a não ser quando se é um Buda Santo e aí tudo já foi pensado e eu não quero esse destino ainda.
Não, ainda não.
Nada para sempre, por favor.
E eu tenho saudades também.
Estar na Bahia é ter saudades para mim,
E eu me volto para o mar sempre que não tenho o mar por perto,
E eu, verdadeiramente não gosto tanto de praia, mas o mar é lindo e sempre.
A única coisa para sempre, por favor, que seja o mar, que seja o mar, que seja o mar, que seja o mar, que seja o mar, por favor, a única coisa para sempre.
E eu penso em gente morta e penso em gente viva,
E eu penso em ver e penso em não ver
E eu penso em ser e penso em não ser
Mas hoje, hoje e apenas hoje, escrevo como quem está cheio de vida e com sorrisos verdadeiramente genuínos,
Hoje, apenas hoje, e para todo o hoje, mas não para todo o sempre, por favor.
E eu sento aqui, com o jazz, com o cavalo, com o lixo, com as vespas, com a janela, com a avó, com o mar e com as saudades e com a Bahia e com Buda e com Jesus Cristo e com Walt Whitman e com Allen Ginsberg e com Uirá dos Reis e com saudades e com vida.
E eu escrevo como quem escreve,
E eu posso porque estou longe e não estou desesperado,
E meu pescoço está livre e eu respiro bem e não tenho mais medo,
Pelo menos por hoje eu não tenho mais medo,
Porque eu morrerei um dia, é bem verdade,
Minha avó já morreu, é bem verdade,
Em tudo há morte, sabemos, já dissemos isso um ao outro tantas vezes,
E em tudo há tudo, e a vida é ainda maior, até que não seja maior, porque o tempo é ainda maior, e o universo está debaixo de leis e tudo vai morrer até que nada mais possa morrer e então nada:
Nada que é o mesmo que paz,
Nada que é o mesmo que solidão,
Nada que é o mesmo que nada
E fim.
Tito de Andréa
2012Essa derrota azulada que se abateu sobre nossas cabeças
Em forma de uma chuva a muito desejada,
Ou como cavalos comendo lixo em certa rua movimentada por onde passei
Muitos anos atrás
E que ainda me povoa como me povoam pombos,
Como me povoam todos que vi
Como me povoam as legiões do império romano,
E demônios do império cristão,
E soldados do império ocidental,
Marchando dentro e fazendo tremer meu continente.
Hoje meu poema tem um gosto de sangue velho,
Como aquele que fica na boca quando se acorda
E se mordeu a bochecha por dentro
E cospe-se uma saliva amarela e coagulada
E a cabeça sabe doer como se deve.
Hoje meu poema me sabe um gosto antigo,
Como as vespas de cobre na janela de minha avó,
Como as florestas convulsivas de meu bairro natal,
Como as ruas vidradas da cidade onde moro e de onde fujo,
Como minhas próprias veias constrangidas,
Hoje meu poema me cheira como flores pisadas
E gritos de alerta de criança,
E um cachorro doente:
Terminal, o cão
Terminal, eu
Porque há um pouco de mim no cachorro que vai morrer,
Porque há um pouco de mim nas vespas da janela que já morreram.
Vespas e janela e avó,
Porque há um pouco de mim nos pássaros desafiadores que fecundaram a pilastra,
Porque há um pouco de mim em tudo e em tudo estou, também, de alguma forma morrendo.
Porque há morte em tudo
E isso eu venho repetindo como antes repetia,
E eu venho tentando mostrar a todo custo isso
E venho tendo longas conversas comigo mesmo,
Longas e cerebrais conversas que encerram sem nunca findar
E eu me repito sobre a morte e sobre a força da morte e sobre a presença da morte,
E sobre o universo inteiro, que caminha para ela,
E sobre a vida no planeta que surgiu, mas não é guiada, nem guardada e que vai morrer,
E na entropia de todas as coisas, cada vez mais próxima dos equilíbrios
E penso no Santo Buda que pregava isso muito antes de eu poder entender
E penso em Jesus Cristo falando sobre amar a tudo
E penso em Lao Tse falando sobre o vazio, que também é uma forma de morte
E é a morte que me dá o sentido de tudo, muito antes do meu corpo ser um corpo,
Muito antes de meus átomos serem átomos,
E muito antes de vibrarem cordas e retesarem forcas,
E é o vazio em tudo e é a morte em tudo que preenche a tudo.
E eu venho pensando e pregando a mim mesmo esse longo e negro jazz que explode o universo,
E que vai fazer o próprio universo calar a boca um dia,
Quando de estrelas mortas fizer o coração,
Quando as cinzas forem o único alimento do monstro,
Quando não houver olho para ver e boca para duvidar,
Provaremos do sol muito antes de tudo,
E eu penso nos santos e nos mártires e nas lápides,
E eu penso em Rimbaud e nos seus delírios,
E eu penso na realidade que é bruta e frágil,
E eu penso na vida nova da criança que chora no berço ao lado e que é tudo e não é nada e tem em si todas as possibilidades da vida,
E eu penso na lentidão das horas de minha cidade natal,
Onde há uma convulsão de vozes e cheiros e gostos,
E onde eu posso ser réptil preguiçoso ao sol.
E eu penso em todos os anos que passaram,
Minhas vinte e duas histórias de morte,
Minhas vinte e duas vitórias perdidas,
Minhas vinte e duas voltas ao redor de um sol que aprendi a odiar e a amaldiçoar,
E giro de volta ao Santo Hamlet e seus delírios e sua grandeza louca,
E em todos os delirantes perdidos lunáticos fanáticos paranóicos esquizóides,
E em tudo que eu sou e em tudo que me diz tudo,
E eu tento a comunhão do Santo Whitman,
E eu ergo os braços como o Santo Allen,
E eu me lanço à febre e ao desespero do meu próprio deserto,
E caio em toda oportunidade que tenho,
E peco e mancho e sujo e maculo e conspurco e profano a tudo onde coloco minhas mãos
E hoje escrevo esse poema como quem vive
Simplesmente porque cansei de não fazê-lo.
O mundo para por uns instantes,
Não é a primeira vez e já não será a última,
Muito já foi dito e não há nada novo sob o sol como profetizou Salomão muitos anos antes de coisas não poderem renovar a si mesmas.
Hoje o poema tem gosto de tempo e tudo o que eu escrevo é triste como eu sou triste, mas não o tempo todo.
Não, não o tempo todo.
Nada para sempre, por favor.
Cansei de imortalidades e escrevo esse poema como quem escreve um poema sem pensar muito, mas pensando sempre, porque sempre se está a pensar a não ser quando se é um Buda Santo e aí tudo já foi pensado e eu não quero esse destino ainda.
Não, ainda não.
Nada para sempre, por favor.
E eu tenho saudades também.
Estar na Bahia é ter saudades para mim,
E eu me volto para o mar sempre que não tenho o mar por perto,
E eu, verdadeiramente não gosto tanto de praia, mas o mar é lindo e sempre.
A única coisa para sempre, por favor, que seja o mar, que seja o mar, que seja o mar, que seja o mar, que seja o mar, por favor, a única coisa para sempre.
E eu penso em gente morta e penso em gente viva,
E eu penso em ver e penso em não ver
E eu penso em ser e penso em não ser
Mas hoje, hoje e apenas hoje, escrevo como quem está cheio de vida e com sorrisos verdadeiramente genuínos,
Hoje, apenas hoje, e para todo o hoje, mas não para todo o sempre, por favor.
E eu sento aqui, com o jazz, com o cavalo, com o lixo, com as vespas, com a janela, com a avó, com o mar e com as saudades e com a Bahia e com Buda e com Jesus Cristo e com Walt Whitman e com Allen Ginsberg e com Uirá dos Reis e com saudades e com vida.
E eu escrevo como quem escreve,
E eu posso porque estou longe e não estou desesperado,
E meu pescoço está livre e eu respiro bem e não tenho mais medo,
Pelo menos por hoje eu não tenho mais medo,
Porque eu morrerei um dia, é bem verdade,
Minha avó já morreu, é bem verdade,
Em tudo há morte, sabemos, já dissemos isso um ao outro tantas vezes,
E em tudo há tudo, e a vida é ainda maior, até que não seja maior, porque o tempo é ainda maior, e o universo está debaixo de leis e tudo vai morrer até que nada mais possa morrer e então nada:
Nada que é o mesmo que paz,
Nada que é o mesmo que solidão,
Nada que é o mesmo que nada
E fim.
Tito de Andréa